“The Midnight Club” – Flanagan em Modo Suave.

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"The Midnight Club" poster

Chegou a minha altura preferida do ano, aquela em que estreia um novo projecto de Mike Flanagan. Desta vez é “The Midnight Club“, série de 10 episódios da Netflix, baseada na obra de Christopher Pike. Quem me costuma ler sabe que o considero o melhor e mais interessante realizador da actualidade, mas, como escrevi na crítica a “Prey“, há que saber pôr de lado as emoções e a nostalgia para se conseguir fazer uma avaliação objectiva a cada novo projecto. Nesse sentido, este é o trabalho menos conseguido de Flanagan, o que só por si não quer dizer muito. O filme menos conseguido do Quentin Tarantino (que para mim é o “Django Unchained“) continua a ser melhor do que 75% de todo o cinema que se faz actualmente. E “The Midnight Club” continua a ser melhor do que qualquer temporada de “American Horror Story” (exceptuando talvez “Asylum“) ou série semelhante, só para dar um exemplo. O problema (que nem é bem um problema, é uma contingência) é que esta é a primeira obra de Flanagan cujo público-alvo são os jovens adultos (YA de Young Adults, como eles lhe chamam). Mas já lá vamos.

"The Midnight Club" cast

Ilonka é uma jovem finalista do liceu com aspirações a entrar na universidade, quando descobre que tem cancro da tiróide. Depois de todos os tratamentos falharem decide ir para o hospício Brightcliffe, onde jovens com doenças terminais são cuidados até a sua inevitável morte. Até lá, todos os dias se reunem à meia-noite, para contarem estórias mais ou menos assustadoras uns aos outros, à rebelia dos seus cuidadores, e cumprindo uma tradição passada pelos seus antecessores. Mas à medida que estranhas coisas vão acontecendo, Ilonka convence-se de que estava certa na verdadeira razão que a trouxe àquele lugar.

"The Midnight Club"

Flanagan escolheu adaptar a obra de Pike por duas razões muito simples: ser fã da obra e querer fazer algo que pudesse mostrar aos filhos. E não é que “The Midnight Club” não tenha os temas pesados que geralmente são a base das suas obras. A morte, a perda, o luto, as dependências, as relações tumultuosas, o amor e o sobrenatural são também aqui abordados, mas a grande diferença está no tom e no ritmo narrativo, algo que Flanagan tem aperfeiçoado ao longo dos anos e que fazem dele um dos maiores autores da actualidade. Só que aqui ele divide a autoria da série com Leah Fong, que tinha escrito o melhor episódio de “The Haunting Of Bly Manor“, “The Romance of Certain Old Clothes“. Há duas possiveis razões para isto: ou Flanagan não se sentia totalmente à vontade com o tom, que precisava de ser mais suave, ou a Netflix quis assegurar que, se a série tivesse números aceitáveis, pudesse ter continuidade e ser a sua nova grande aposta para esta faixa etária, mesmo que Flanagan não estivesse disponível para a continuar. Eu aposto mais nesta segunda hipótese, mas já lá vamos.

"The Midnight Club"

Outra característica diferenciadora nesta série é que Flanagan, apesar de ter co-escrito todos os episódios, só realizou os dois primeiros, entregando a Michael Fimognari (o seu director de fotografia desde “Oculus“, com excepção para “Hush“) os dois seguintes, dividindo os restantes por mais quatro realizadores. É também por isso que o tom de toda a série não é tão constante ou homogéneo como nos projectos anteriores. O ritmo narrativo também sofre com isso, mas aqui há outro factor a levar em conta. Todos os episódios, além da sua narrativa base, contém uma (ou duas, consoante o episódio) estórias contadas pelas personagens dentro do clube da meia-noite. Estas vão do terror à ficção-científica, passando pela comédia ou policial noir (que até faz uso do seu preto-e-branco característico), e apesar de ajudarem a definir a personagem que conta a estória (principalmente nos primeiros episódios), não fazem avançar a narrativa principal, o que prejudica um pouco o nosso foco.

"The Midnight Club"

É claro que isto foi um grande atractivo para os actores e técnicos que puderam brincar, variar de género e personagem, uma vez que os protagonistas destas estórias são interpretados pelos personagens do clube. E é errado pensar nisto como uma série antológica, pois as estórias não são independentes da narrativa principal, apenas não lhe acrescentam muito. Este é o grande problema de “The Midnight Club”, ir variando de tom e ritmo narrativo, para agradar mais à faixa etária a que se destina. E isto para mim foi um erro, cometido principalmente pela Netflix, que impôs algumas restrições a Flanagan. Uma delas, e flanagan fala nisso em várias entrevistas que deu recentemente (incluí uma no fim deste artigo), é que não podiam haver monólogos, porque os jovens iam aborrecer-se e perder o interesse. Isto vem das críticas a “Midnight Mass“, a série anterior de Flanagan (que aliás é tida como o seu melhor trabalho até agora), que tinha longos diálogos em que as personagens falavam muito e à vez, o que motivou algumas críticas de impacientes teenagers, para quem a definição de personagens é aborrecida. Estas notas da Netflix moldaram o tom da série e prejudicaram a identificação com trabalhos anteriores de Flanagan.

"The Midnight Club"

Mas só até certo ponto. Em algumas coisas, Flanagan até aproveitou para se divertir. Quem o conhece sabe que ele não é apreciador de jump scares. Sim, ele usa-os pontualmente, mas sempre de forma construtiva para a narrativa, nunca de forma gratuita. Aqui, a Netflix impôs que ele aumentasse o número de sustos (jovens querem injeções de adrenalina visuais, aparentemente) e Flanagan fez-lhes a vontade. O episódio 1 estreou na Comic Con de Nova Iorque e bateu o record do Guiness de maior número de Jump Scares num só episódio de televisão, 21. Mas Flanagan também colocou um personagem a criticar o seu uso, que é preguiçoso da parte de quem conta a estória, que bater num panela pode provocar uma reação mas que esta não é necessariamente medo, etc. O que quero dizer é que há uma diferença substancial entre os sustos de “The Midnight Club” e, por exemplo, o susto de “The Haunting Of Hill House” (e quem viu sabe de qual estou a falar).

"The Midnight Club"

Outra parte da diversão é juntar os amigos, e sabemos que Flanagan adora trabalhar com as mesmas pessoas, formando mesmo aquilo que já é conhecido como Flanaverse (o universo de Flanagan). E no elenco temos muitas caras conhecidas de trabalhos anteriores do realizador: na narrativa principal temos Igby Rigney, Annarah Cymone, Matt Biedel e Zach Gilford (que entraram no Flaniverse em “Midnight Mass”), Samantha Sloyan (“Hush“, “The Haunting Of Hill House”, “Midnight Mass”), Robert Longstreet (“The Haunting Of Hill House”, “Doctor Sleep“, “Midnight Mass”) e Katie Parker (“Absentia“, “Oculus”, “The Haunting Of Hill House”, “The Haunting Of Bly Manor”). Nas estórias contadas pelos membros do clube temos Crystal Balint (“Midnight Mass”), Rahul Kohli (“The Haunting Of Bly Manor”, “Midnight Mass”), Henry Thomas (“Ouija: Origin of Evil“, “Gerald’s Game“, “The Haunting Of Hill House”, “Doctor Sleep”, “The Haunting Of Bly Manor”, “Midnight Mass”), Alex Essoe (“Doctor Sleep”, “The Haunting Of Bly Manor”, “Midnight Mass”) e Michael Trucco (“Hush”, “Midnight Mass”). Temos ainda Jason O’Mara, que apesar de não ter trabalhado anteriormente com Flanagan protagonizou com Kate Siegel ( a Sra. Flanagan) “Hypnotic“, um filme da Netflix lançado há um ano. Tenho ainda de referir que, para interpretar a directora do hospício, Flanagan chamou Heather Langenkamp, a primeira final girl de “A Nightmare On Elm Street” e a primeira mulher a beijar Johnny Deep no cinema.

Mike Flanagan "The Midnight Club"

Voltando ao essencial, “The Midnight Club” não é um trabalho tão coeso quanto os seus antecessores, mas mesmo assim não se lhe podem apontar muitas falhas. Flanagan continua a ser um mestre da narrativa, na sua estrutura, na forma como planeia cada episódio para nos deixar a ansiar pelo próximo. Esta série é assustadora, intrigante, misteriosa, divertida, mas nunca chega a ter profundidade suficiente para arrebatar, para dar aquele murro no estômago que nos deixa a pensar durante horas. Mas isso é propositado, por definição do projecto e por imposição da Netflix. Naquilo que se compromete, a série cumpre, e isso já é mais do que se pode dizer de grande maioria dos projectos Netflix lançados no último ano. Resta-nos agora esperar ansiosamente por “The Fall Of The House Of Usher“, baseada na obra de Edgar Alan Poe. Segundo Flanagan é um projecto em que lhe foi dada carta branca, em que se divertiram a explorar o material e em que os níveis de humor e gore estão mais altos que nunca.

Classificação: ★★★★

Link para “The Midnight Club” na Netflix.

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