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A A24 está a tornar-se no mais interessante estúdio da actualidade. Nos últimos 10 anos é responsável por alguns dos filmes de género ( e não só) mais interessantes deste período, como “Enemy“, “Under The Skin“, “Locke“, “Room“, “The VVitch“, “Hereditary“, “American Honey“, “A Ghost Story“, “The Florida Project” “X” ou “Uncut Gems“. Conseguiram a proeza de, neste período, conquistarem um Óscar de melhor filme com “Moonlight“, e estarem na pole position para os Óscares do próximo ano com “Everything, Everywhere, All At Once“. Por tudo isto, qualquer filme com o selo da A24 desperta imediatamente uma curiosidade e uma expectativa de que vamos ver algo de diferente. E, no caso de “Men” isso não podia ser mais verdade.
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Na sequência de uma tragédia pessoal, Harper (Jessie Buckley) aluga uma casa isolada numa zona rural inglesa, onde espera passar os próximos 15 dias sozinha, e recuperar do trauma. Mas estranhos personagens (masculinos) vão interrompendo o seu sossego, até se tornar a sentir perseguida e ameaçada. Entre o que será real ou apenas projecção dos seus traumas, depressa a estadia se torna num pesadelo.
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É o segundo filme de Alex Garland para a A24, depois da sua estreia na realização com “Ex-Machina” (que está disponível na Prime Vídeo), e depois de realizar “Annihilation” para a Netflix e a série “Devs” para a Hulu (disponível em Portugal na Disney+). E é interessante constatar que, de projecto para projecto, Garland se vai tornando mais provocador (embora o seja desde o início, quando ainda escrevia para Danny Boyle). Além disso, de filme para filme (ou série) Garland vai apurando a sua narrativa visual, ou seja, usando o texto e diálogos quando absolutamente necessário, e confiando em excelentes directores de fotografia, designers de produção e actores para serem transformadores de texto em imagens carregadas de entrelinhas.
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Em “Men” existe um aprofundar desse método, que eventualmente resulta num filme menos objectivo e muito mais exigente para a compreensão (ou interpretação) do espectador. Não é um filme fácil, até porque Garland atira-nos com tudo: citações biblicas, filosóficas e até body horror explícito e perturbador. Mas funciona, se o espectador lhe der o benefício da dúvida, até porque Garland tem uma agenda, e apesar de não formular claramente uma opinião, desenvolve um estudo (a espaços, profundo) da dicotomia morfológica homem/mulher.
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O que aqui aumenta o interesse é que Garland, à semelhança dos projectos anteriores já referidos (e ao contrário do que acontecia nos projectos com Boyle), se coloca na perspectiva do lado oposto, o da mulher. É através do seu olhar e da sua compreensão sobre os homens que a narrativa se desenrola num estado de medo e apreensão. Devido à tragédia pessoal que aconteceu a Harper, os homens são encarados como uma ameaça, como algo que desafia e atenta contra aquilo que ela é ou quer ser. O que desarma e confunde o espectador é quão distorcida é esta realidade e, principalmente, quão estranhos serão mesmo estes homens? (ou homem, mas já lá vamos)
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Ora, isto ancora na interpretação de Jessie Buckley que, aos 32 anos, se está a tornar uma das mais fascinantes actrizes da actualidade. Já a conhecíamos de “Chernobyl“, “I’m Thinking of Ending Things” ou “The Lost Daughter” (só para citar alguns), mas mesmo assim ela consegue surpreender. Porque, sejamos claros, este é um projecto extremamente exigente para os actores, que têm de percorrer quase todo o espectro de emoções, a maior parte do tempo sem o apoio do texto, e acertando sempre na intensidade requerida para cada uma delas. Buckley é capaz de tudo com uma naturalidade que nos cativa e aproxima dela, o que é a chave para que o filme resulte e nos coloque num estado de permanente ansiedade do principio ao fim.
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E depois há Rory Kinnear, que é daqueles actores que imediatamente reconhecemos sem saber de onde, com a sensação de que ele entra em todos os filmes. É um actor camaleónico, o que só por si justifica a escolha para este projecto. Depois da sua partida para o campo, todos os homens que se cruzam com Harper têm o rosto de Kinnear. É Garland a colocar no nosso subconsciente que os homens são todos iguais, para tomarmos partido e ficarmos do lado dela. O que é extraordinário é que apesar de vermos que todos os personagens masculinos têm o mesmo rosto, sabemos imediatamente que são pessoas diferentes, porque Kinnear os dota de diferentes trejeitos, fisicalidade, dicção e até de diferentes graus de ameaça, explicita ou subentendida.
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Não é portanto um filme fácil de assimilar ou digerir imediatamente. Há todo um conjunto de nuances que são reforçadas por uma fotografia belíssima e ostensiva, uma banda sonora envolvente e uma direcção artística que absorve a nossa atenção, como se Garland nos distraisse os sentidos para executar um truque de magia no nosso subconsciente. “Men” é belíssimo e assustador, envolvente e repelente, subliminar e portentoso, simultaneamente. Há quase sempre uma dualidade de factores que reflete a dicotomia em que o filme assenta. É por isso um filme exigente, que nos puxa e nos afasta, mas que compensa com questões e reflexões que não sabiamos urgentes. Mas são.
Classificação: ★★★★½