“Um Filme Em Forma De Assim” – O’Neil em Botelho (ou vice-versa).

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João Botelho filma a literatura como ninguém. E assume-a, como o que é e como sua. Seja vinda da prosa de Agustina ou Eça, como da poesia de Pessoa ou, neste caso, Alexandre O’Neil. Mas em “Um Filme Em Forma De Assim” há um agigantar da formalidade de Botelho que lhe dá uma forma volátil e caprichosa na sua identade e coerência.

Não é fácil fazer-se um filme poético. Muitas vezes esvazia-se a forma para enaltecer um conteúdo que se quer maior do que é. O que é digno de nota aqui, é que o conteúdo de O’Neil é tão extenso e rico que Botelho se viu na obrigação de crescer em cinema para estar à altura da tradução formal. Criar poesia em cima da poesia demonstra coragem e um conhecimento rigoroso e absoluto da obra em questão.

E nesse conhecimento Botelho descobriu não só palavras, idéias e imaginários etéreos, mas também e sobretudo música, ritmos e inúmeras feições, escondidas nas palavras que eram maiores do que se calhar o nosso cinema. Porque “Um Filme Em Forma De Assim” não parece ser formalmente do nosso cinema, mas poucos filmes são mais nossos do que este. Botelho sempre foi um estudioso, um teólogo da religião cinematográfica, e tem a sua devoção bem expressa ao longo da sua obra e nas inúmeras discussões que teve sobre ela. Oliveira dificilmente faria este filme, mas este filme não existia sem a influência de Oliveira.

Há portanto duas traduções aqui: a de uma obra literária para cinematográfica e de um cinema para outro cinema. Porque o nosso tinha de crescer. E como cresceu, com maravilhosos planos sequência com inúmeras personagens (ou poucos com muitas caras), cenários ilusórios realistas, iluminação que mais do que iluminar cria com sombras e números musicais que começam e terminam a meio de planos e cenas que se confundem e trocam em voltas e voltinhas que nos deixam no mesmo lugar, em O’Neil.

É inimaginável a quantidade de trabalho que Botelho teve aqui. E não é um trabalho qualquer, é minucioso e preciso. E até se aceita a sua teoria de que o cinema não precisa de estória, porque “Um Filme Em Forma De Assim” é hipnótico, envolvente e sedutor. Estica-se um pouco a espaços, sobretudo no último terço, quando é mais exigente com o espectador. Mas compensa-o, porque se entrega e passa a ser nosso.

Classificação: ★★★★

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