A Decadência do Cinema de Terror, parte 2 – “X”, “La Abuela” e o Fantasporto.

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Há uns meses publiquei aqui um artigo em que, partindo das últimas entradas em 3 icónicos franchises de cinema de terror (“Halloween“, “Scream” e “Texas Chainsaw Massacre“, apontava razões para a decrescente relevância do género (acompanhando o generalista). No final, referia o Fantasporto como montra e barómetro alternativo para o real estado do cinema de terror. Findo o festival (e podem ver a minha apreciação a todos os filmes em vários artigos aqui no blog), convém voltar ao tema, para continuar a discussão e sublinhar a relevância de alguns dos filmes que por lá passaram. Em complemento, e é por aí que vou começar, vi dois dos filmes mais aguardados pelos fãs do género e que convém juntar ao tema: “X” de Ti West e “La Abuela” de Paco Plaza.

X

De Ti West apenas tinha visto “In A Valley Of Violence“, um western estilizado com Ethan Hawke e John Travolta, embora “The Sacrament” esteja na minha lista há bastante tempo. Ao ouvir a entrevista que deu a Mick Garris no seu podcastPost Mortem” (que deixarei no fim deste artigo) fiquei também a saber que colaborou numa das melhores séries de terror dos últimos anos (pelo menos a primeira temporada, já que quando comecei a ver a segunda a série foi cancelada e não a acabei), “The Exorcist“. Sabia portanto que West dá muita importância aos detalhes e usa a linguagem cinematográfica de forma criativa e impactante (mesmo quando trabalha para televisão). Isto e o hype que nos chegava pela net, elevaram as minhas expectativas em relação a “X”.

Em 1979, uma equipa de filmagens vai para a zona rural do Texas para filmar um porno. Quando o casal idoso que lhes aluga a pequena casa na sua propriedade os apanha no acto, os membros da equipa vão ter de lutar pela vida.

Todo o set up do filme parece decalcado de “The Texas Chainsaw Massacre“, o original de Tobe Hooper de 1974. O grupo de jovens que percorre o Texas numa carrinha, a família esquisita e disfuncional a cuja propriedade vão parar e o próprio look do filme que recria a época em que o primeiro foi feito, tornam impossível que o paralelísmo não seja feito. E provavelmente foi intencional. E digo provavelmente porque, quando partimos desse princípio ficamos à espera que a narrativa nos surpreenda, o que acaba porque não acontecer. Tudo aquilo que vamos antecipando acontece. Ora, isto coloca imediatamente uma questão quando os créditos finais começam a rolar: qual a relevância disto? Se calhar, nenhuma, as nossas expectativas é que estavam demasiado altas.

Ou então não, a sua relevância, mais do que narrativa, é apenas formal. Nesse aspecto, o trabalho de West é primoroso. A atenção ao detalhe vai da colocação da câmara ao formato variável e pontualmente nostálgico com que a imagem nos é apresentada. Do ritmo pausado e tenso do primeiro acto, com planos holandeses que tem um propósito emocional claro, sublinhado por uma das melhores bandas sonoras do género nos últimos tempos. O uso de uma voz feminina, por vezes quase subliminar, ajuda a, e por vezes força, um sentimento misto de carinho e desconforto (vou pôr também a banda sonora no final deste artigo). West é um esteta que precisava de um pouco mais de arrojho na sua escrita. Não é que ela seja má, mas falta-lhe um pouco de originalidade que lhe conferisse a vitalidade necessária para a tornar mais relevante.

“X” não é um mau filme, pelo contrário, mas ganhava mais em não se escudar na homenagem a um clássico e a ser mais contundente nas situações que encena tão bem. West precisa de, à semelhança do seu trabalho em televisão, ajuda na escrita, na construção de armadilhas para o espectador, de lhe contrariar as expectativas. A não ser que o propósito sja trabalhar apenas para as novas gerações, que não conhecem (e na maioria dos casos, não querem conhecer) os clássicos, e para quem apenas o que é feito agora é relevante. A mim, devido ao seu enorme talento, parece-me pouco.

Classificação: ★★★½

La Abuela

Paco Plaza é um dos nomes mais significativos do cinema de terror espanhol, após espantar o mundo com um dos melhores filmes de found footage até agora, “[Rec] em 2007 (co-realizado por Jaume Balagueró). Seguiram-se duas sequelas e Plaza voltou a entrar no nosso radar com “Verónica“, feito para a Netflix em 2017. Agora chega-nos “La Abuela”, disponível na Prime Video (mas sem legendas em português).

Uma modelo espanhola a viver em Paris tem de voltar a Madrid quando a avó que a criou sofre um derrame e precisa de cuidados permanentes. Enquanto não arranja quem possa cuidar da idosa, a sua estadia vai revelar-se um inesperado pesadelo.

Plaza é exímio em criar atmosferas claustrofóbicas em espaços fechados, e os seus filmes frequentemente exploram isso mesmo: uma única localização, pouca iluminação, ponto de vista subjectivo e a constante sensação de que algo vai aparecer de repente para nos assustar. E aqui é mais do mesmo. Qualquer história serve apenas para nos colocar nesta situação desconfortável. Mas isto acaba por ser pouco, e “La Abuela” parece ser mais longo do que realmente é. O seu ritmo lento e repetitivo torna-se cansativo, e o terceiro acto acaba por se resolver naquilo que já nós esperamos.

É claro que isto é muito competente para os espectadores ocasionais. Os seus meios de produção são bons, as situações são bem encenadas, o trabalho de câmara é pragmático, tudo é bem feito, mas o resultado é como uma refeição requentada, que nos sacia mas não nos traz nada de novo e enriquecedor.

Classificação: ★★★

Do Fantasporto 2022.

Do último Fantasporto convém realçar quatro filmes que são relevantes para esta discussão: “Follow Her” (o vencedor do grande prémio), “Barbarians” (prémio especial do júri), “The Exorcism Of God” (prémio de melhor realização) e “Ox-Head Village“.

Como disse na minha apreciação ao filme (que podem visitar clicando no título dos filmes no parágrafo anterior), “Follow Her” é um filme para os apreciadores do género, e que, como tal, tem em conta o que o espectador sabe e espera do que está a ver. O dificil (e conseguido aqui) é frustar as suas espectativas, mas não o defraudando, ou seja, dando-lhe uma alternativa que seja igualmente interessante. Ora, neste caso, isso significa que este talvez seja o filme com mesmo terror destes quatro, pois as alternativas nunca são tão sangrentas como as espectativas, mas isso não é mau. Porque abre o ângulo de visão, torna mais abrangente o seu raio de acção e satisfaz ainda mais gente. Sylvia Caminer e Dani Barker (realizadora e protagonista/argumentista) prometem um filme de terror e entregam-nos um thriller bem mais interessante e emotivo pra nós.

Em “Barbarians”, o realizador Charles Dorfman pisca o olho ao espectador, tornando-se cumplice na sua cinefilia. A partir de um argumento sólido e excelentes interpretações, Dorfman vai desfilando clichés e referências que sabe que o espectador identifica. O risco assumido aqui, é fugir à cópia e ao plágio, usando esses momentos como check-points da narrativa. Ao identificar influências (e a mais forte aqui será “A Clockwork Orange“) o espectador sente-se integrado e parte do jogo semi-secreto entre ele e o realizador. E muito mais dentro do filme do que na maioria do cinema actual.

Outro realizador que assume as influências e os clichés é Alejandro Hidalgo, com a coragem de introduzir pequenas alterações que, não o sendo, parecem frescas e originais. “The Exorcism Of God” é um compêndio ao contrário de todos os filmes de exorcismo que já vimos. Isto resulta em imagens fortes e desconstructivas daquela que é a própria base deste tipo de filme: a religião. E tem também o piscar de olho ao espectador, com referências a clássicos como “The Exorcist“.

Em “Ox-Head Village”, o realizador Takashi Shimizu optou por outra abordagem, a de ter uma narrativa à prova de bala. O tema não é novo, as lendas e tradições são terreno fértil para o terror desde sempre, mas qualquer estória é melhor ou pior dependendo de como é contada. E aqui Shimizu optou por dar uma estrura de policial à sua estória de fantasmas. As pistas para compreendermos o que se passa são-nos dadas aos poucos, de forma satisfatória mas ainda intrigante. Vamos de migalha em migalha até compreendermos toda a sua dimensão e, novamente, há um jogo com o espectador que o compensa no final.

O que é que estes filmes podem fazer pela revitalização do cinema de terror?

No caso do filme de Plaza, pouco, apenas mantê-lo no seu estado actual, não o deixando morrer de vez. Já o filme de West pode ajudar a angariar novos públicos e a incutir-lhes curiosidade pelas referências, abrir-lhes a porta aos clássicos, se para isso houver vontade. O mesmo acontece com os referidos filmes do Fantas, mas neste caso a sua relevância pode ser maior. No artigo anterior referi que era nos festivais que se viam as melhores propostas, mas a sua visibilidade muitas vezes esgota-se no próprio circuito, o que os torna irrelevantes. No caso deste Fantas e dos 3 primeiros filmes que referi, dada a sua proveniência e canais de distribuição, podem ser filmes que farão alguma diferença. Não tenho dúvida de que é essa a sua ambição. “Follow Her” ainda não estreou, tendo sido exibido apenas no Fantasporto e Fantaspoa (Brasil), tendo críticas muito favoráveis em ambos. “Barbarians” teve uma estreia limitada nos Estados Unidos (e em VOD), acontecendo o mesmo com “The Exorcism Of God”, que já tem algum buzz positivo online. E voltamos ao mesmo ponto do artigo anterior. Para que estes filmes de género tenham a visibilidade que merecem, é preciso que o cinema generalista lhes abra algum espaço. Dificilmente o fará, formatado como está. É preciso que nós façamos a nossa parte, divulguemos os filmes e criemos em quem nos lê a vontade de os procurar. Uma coisa é certa, é muito mais fácil fazê-lo com os filmes de que falo neste artigo, do que com os filmes do artigo anterior.

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