Fantasporto 2022 – Os Filmes – Parte 1/3.

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O Fantasporto – Festival Internacional de Cinema do Porto está de volta ao Rivoli, com uma 42ª edição (a minha 30ª) que, espero, recupere o público e os convidados que faltaram o ano passado devido à pandemia. Da programação deste ano, salta à vista uma enorme (excessiva mesmo) selecção de cinema comercial japonês, principalmente adaptações de Mangá, com uma estética pop muito própria. Teremos também obviamente filmes de variadas cinematografias, dos quatro cantos do globo. Por outro lado, a secção Fantas Classics foi reforçada e tem muitos filmes de inegável qualidade que a maioria das pessoas nunca teve oportunidade de ver no cinema, formato para o qual foram idealizados.

Abaixo, poderão encontrar a 1ª parte de toda a programação para o Grande Auditório Manoel de Oliveira. As informações são as fornecidas pela organização do festival. Após cada sessão, podem encontrar aqui a apreciação/crítica e classificação de cada um dos filmes exibidos. Quando a venda de bilhetes abrir (a 15 de Março) colocarei o link de compra de bilhetes para cada sessão. Podem também consultar a programação do Auditório Isabel Alves Costa aqui.

6ª FEIRA, 01 de ABRIL

20.45 • SESSÃO OFICIAL DE ABERTURA – “xxxHolic”

Mika Ninagawa – 110’ (Jap) – CF – Fantástico / Manga – ANTESTREIA MUNDIAL – v.o. leg. Ingl. | Bilheteira

Um estudante chamado Watanuki quer uma vida normal. Para se ver livre do que o atormenta, é guiado por uma borboleta até uma loja de uma bruxa onde se lê “posso satisfazer qualquer desejo”. No entanto, cada desejo concedido tem um preço. Uma superprodução belíssima baseada numa manga muito popular de Clamp, cheia de fantasia e acção, onde está presente a grande tradição estética japonesa.

Apreciação: Infelizmente, o filme de abertura do festival não é mais do que o trailer deixa antever, e o que esperava dele. Um filme visualmente imponente e criativo, mas vazio em conteúdo narrativo estimulante e original. Acaba por ser uma colecção de clichés bem apresentada e vibrante, mas que frequentemente se torna aborrecida pela repetição e previsibilidade. A considerar apenas para melhores efeitos visuais.

Classificação: ★★★★★

23:00 • FANTASCLASSICS / FILMES CULTO – “Blade Runner”

Ridley Scott – 117’ (E.U.A.) – 1982- 40 Anos – v.o. leg. port | Bilheteira

Na Los Angeles de 2019, um policial, Deckard, interpretado por Harrison Ford, está encarregado de caçar quatro replicantes que chegaram ilegalmente à Terra para se encontrem com o seu criador. Filme revolucionário de ficção científica e filme-culto inquestionável. “Time to Die!” diz o moribundo replicante nos portentosos momentos finais (um fabuloso Rutger Hauer) do filme. 40 anos depois da estreia europeia no Fantasporto, este filme de Ridley Scott é ainda uma experiência a não perder.

Apreciação: “Blade Runner” é provavelmente o clássico que mais vezes foi exibido no Fantasporto. A útima vez foi em 2020, e o que escrevi na altura, e se mantém inalterável, foi o seguinte:

O mérito do Fantas Classics é permitir-nos apreciar filmes que conhecemos de cor, no formato para que foram feitos. Já perdi a conta às vezes que vi “Blade Runner” (nas suas 5 versões), mas penso que foi a primeira que o vi no grande ecrã, onde se torna ainda mais hipnótico. A versão que nos exibiram foi a ‘final cut‘, que supostamente é a definitiva. Fascinante, dúbio, poético e intenso, é um filme que não passa de moda, e mesmo que este futuro esteja já no passado e por concretizar, continua a ser uma experiência imperdível e enriquecedora.

Classificação: ★★★★★

SÁBADO, 02 de ABRIL

16:00 • “The Laws of the Universe – The Age of Elohim”

Isamu Imakake – 119’ (Japão) – CF – ANTESTREIA EUROPEIA – Animé – v.o. leg. ingl. | Bilheteira

Muito para além da animação japonesa industrializada, este filme leva-nos a ver uma cuidada e belíssima animação mas ainda dentro do espírito manga. Yaizael é enviada para proteger a Terra. A proverbial luta entre o Bem e o Mal na era da defesa do nosso planeta e da sua beleza.

Apreciação: Filme competente de animação (maioritariamente) tradicional japonesa baseado numa mangá. O seu maior problema é ser demasiado longo (este estilo de animação é mais usado em séries com episódios bem mais curtos para não se tornar cansativo), e a estória não é das mais interessantes para suportar toda a sua duração. Além disso, tem uns momentos musicais muitos estranhos. Não só pelas canções em si, mas porque a primeira é cantada por uma personagem, mas as seguintes, apesar de serem sobre as personagens, sobrepoem-se à acção e depois de alguns segundos as personagens têm diálogos sobre a letra da canção, a ponto de estarmos a ler a tradução da letra e do diálogo em simultâneo e alternadamente, o que se torna confuso. O ponto mais positivo foi não se notar diferença entre a animação tradicional (em que apenas os elementos em primeiro plano mexem) e a animação por computador (em cenas de composição maiores em que muitos elementos semelhantes têm movimento sincronizado). Acaba por ser um filme para um público muito específico e, havendo no festival uma secção de animação, não se entende a sua integração na secção oficial cinema fantástico. Só uma nota final: quando eu digo animação tradicional japonesa é o estilo usado em séries como “Dragon Ball” ou “Pókemon“, não confundir com a complexa animação tradicional das longas metragens do mestre Miyazaki.

Classificação: ★★★★★

18.15 • “Jacinto”

Javi Camino – 95’ (Esp) – SR -Drama – v.o. leg. ingl. | Bilheteira

A vida pacata de uma aldeia galega é abalada pela chegada de uma filha de terra e da sua amiga sueca, ambas pertencentes a uma banda de “heavy metal”. Para Jacinto, um jovem com uma deficiência mental que acredita no padre da terra, elas são o diabo em pessoa. Este filme foi Prémio de Público da Secção Panorama no Festival de Sitges e Prémio do Juri no Festival de Austin.

Apreciação: Enquanto comédia de costumes, “Jacinto” é uma bem sucedida e humorada estória. O problema é que quando muda de tom, e entra no thriller ou na violência, o ritmo também muda. Falta-lhe consistência que lhe dê homogeneidade. Arrasta-se um pouco lá pelo meio, e quando a coisa aquece despacha estória e personagens enquanto o diabo esfrega um olho. Mas acaba por ser um bom divertimento, com boas interprepretações e um argumento inspirado a espaços. Talvez um pouco mais de orçamento lhe tivesse permitido resolver as questões ritmo.

Classificação: ★★★½

21.00 • “The House

Rick Ostermann – 90’ (Alem) – CF – Ficção Científica – v.o. leg. ingl. | Bilheteira

Na Alemanha de 2029, um jornalista estrela proibido de escrever, por ter caído em desgraça, e a sua mulher refugiam-se na sua casa da ilha que possui tecnologia avançada e onde se julgam a salvo. À medida que a situação política piora, a casa transforma-se, de um refúgio seguro num poderoso adversário. Uma imagem realista dum futuro tecnológico que usa o progresso para fins bem mais ancestrais, a manipulação do poder.

Apreciação: “Das House” está muito próximo da perfeição. É a prova de que não é preciso mais do que meia dúzia de bons actores e um bom set para se fazer um filme complexo, pertinente e empolgante. E claro, uma grande equipa, porque tudo o que aqui parece fácil não é, está planeado ao milímetro e tem função narrativa. Nada é gratuito e funciona em prol do resultado final, que é um filme de grande intensidade, suspense e até melancolia, passando por temas como política, terrorismo e lealdade, naquele que acaba por ser um estudo bastante interessante do modo como a tecnologia ainda vai acabar por nos matar a todos. Macacos me mordam se sair deste Fantas de mãos a abanar…

Classificação: ★★★★½

23.00 • “Ox-Head Village”

Takashi Shimizu – 115’ (Jap) – CF – Horror – ANTESTREIA MUNDIAL- v.o. leg. ingl. | Bilheteira

Umas jovens estudantes vão para um edifício abandonado fazer uma transmissão para os seus seguidores na net. Uma partida sem graça feita a uma delas é o ponto de partida para se revelar uma história de horrores e à descoberta de costumes antigos. Do vencedor do Prémio de Melhor Filme Fantástico do Fantasporto 2021 com “Suicide Forest Village”.

Apreciação: Confesso que estava com muito medo deste filme. O filme anterior de Shimizu, “Suicide Forest Village“, ficou na história do Fantas como um dos seus mais injustos vencedores (em detrimento do meu querido “Post Mortem“). Mas eu sou a favor das segundas oportunidades e ainda bem, porque este “Ox-Head Village” é um sólido filme de terror, com uma narrativa muito bem estruturada e interessante. E foi isso que mais me impressionou, a forma como a narrativa se desenrola e evolui, sem se esconder em efeitos especiais de encher o olho (eles existem mas são sóbrios e servem a estória, ao contrário do filme do ano passado em que se sobrepunham a ela). É interessante, intenso e competente na gestão das emoções (e dos medos) do espectador. Peca apenas pelo final, que se estende mais do que devia e dá umas voltinhas desnecessárias, o que acaba por não prejudicar o resultado final.

Classificação: ★★★★

DOMINGO, 03 de ABRIL

16:00 • “Annular Eclipse”

Zhang Chi – 97’ (China) – CF – ANTESTREIA EUROPEIA – Ficção Científica – v.o. leg. Ingl. | Bilheteira

Em 2030, numa metrópole que lembra “Blade Runner”, o filme conta a história de um assassino, Ge, que está a tentar recuperar a sua memória ao mesmo tempo que executa missões para a sua organização. Uma grande produção chinesa que mostra uma versão fabulosa da Arquitectura do futuro. Selecção do Festival de Busan.

Apreciação: “Annular Eclipse” é uma super produção chinesa e isso nota-se, no design de produção, nas elaboradas sequências de acção, na minuciosa fotografia. Visualmente, o filme é um belíssimo assombro. O problema é o resto. A imaginação narrativa não acompanha a visual. O filme é desconexo, tem problemas de ritmo e o argumento é uma colagem de coisas que já vimos noutros sítios, mas mal costuradas (peguem no “Total Recall“, em qualquer filme com assassinos contratados e qualquer filme cuja narrativa tenha no seu ponto alto um eclipse, e dá-vos este filme). A banda sonora a imitar Hans Zimmer, com a sua percursão épica a acompanhar quer as cenas de acção quer as cenas de exposição. E depois, pelo meio, na única cena de amor do filme, uma balada pelo Barry White lá do sítio, que transforma a cena num videoclip pseudo-sexy metido aqui às 3 pancadas. Pelo investimento, tinha obrigação de ser mais do que um filme apenas para encher o olho.

Classificação: ★★½

18.00 • “The Unburied” / “El Cadáver Insepulto”

Alejandro Cohen Arazi – 84’ (Arg) – CF – CENAS EVENTUALMENTE CHOCANTES – Horror – v.o. leg. ingl. | Bilheteira

Maximiliano volta à terra onde viveu para o funeral do pai e tratar de papéis. Lá, esperam-no os irmãos e o corpo do pai que ainda está onde morreu. Mas é preciso respeitar os seus desejos. E todos na terra parecem pouco preocupados com tudo. O passado volta num clima de horror e trivialidade. Primeira longa-metragem deste realizador argentino.

Apreciação: Este é mais um filme com problemas de ritmo. Demasiado lento na exposição, muito rápido no horror. Mas esse nem é o seu maior problema. Tenta ser uma comédia mas raramente tem graça, tenta chocar à força (e já lá vamos) e consegue-os pelas razões erradas, tenta ser original na narrativa e acaba por ser apenas básico e não encontrar soluções para aquilo que enuncia. Mas o pior são as personagens, não há aqui ninguém que se aproveite. E as interpretações que as servem são de um amadorismo constrangedor. Voltando ao factor choque, há uma sequência num matadoro, em que vemos a matança e mutilação de muitas vacas, sem que haja qualquer necessidade disso. E se pensamos que é apenas para mostrar que o protagonista não lida bem com a violência e a morte ( e havia muitas outras maneiras de mostrar isso), quando encontra uma conhecida e passa a noite com ela, é violento durante o sexo (mais uma vez sem nada que o justifique). O resto são os clichés habituais do género de terror amador com casas sinistras e seitas à mistura.

Classificação: ★★★★

21.00 • “Baby Assassins”

Hugo Sakamoto (Jap) – 95’ – SR – ANTESTREIA EUROPEIA – Thriller – v.o. leg. ingl. | Bilheteira

A alienação da juventude, o “dressplay” e a tecnologia à japonesa numa época em que a insensibilização da juventude é promovida em jogos e filmes. Chisato e Mahiro são duas adolescentes estudantes à beira de terminar os estudos. Também são duas assassinas de alto calibre. Quando a organização que as contratou as manda viver juntas, cria-se a parceria perfeita.

Apreciação: E quando se pensava que o pior já tinha passado, vem um filme cujo interesse é nulo. Um guião desconexo, interpretações esquizofrénicas, cenas chatas sem interesse nenhum, planos que se estendem na duração só porque sim, um humor básico que não nos consegue arrancar sequer um sorriso, etc. E cliché atrás de cliché. Mais um filme que não tem uma única personagem que se aproveita, com um par de protagonistas do mais fútil e irritante e vilões de papelão. Nem a acção minimamente bem coreografada safa isto.

Classificação: ★★★★★ 0 (zero)

23.00 • “The Exorcism of God”

Alejandro Hidalgo – 99’ (E.U.A./Mex/Venez) – Horror – v.o. ingl. | Bilheteira

Um padre norte-americano é chamado para realizar um exorcismo. Mas nada corre como é previsto e anos mais tarde ainda está a sofrer as consequências do que fez. O realizador Alejandro Hidalgo visitou o Fantasporto em 2014 para apresentar em antestreia mundial a sua primeira longa, “La Casa del Fin de los Tiempos”, filme multi-premiado a seguir.

Apreciação: E a salvação do dia veio de onde menos se esperava, de um filme com demónios e exorcismo. Primeiro, Hidalgo tem noção das limitações que tinha ao seu dispôr. Depois, consegue ser criativo onde mais importa, no guião. E num género ém que praticamente tudo já foi feito, “The Exorcism of God” arrisca e toma uns caminhos surpreendentes, como um Jesus Cristo possuído ou um exorcismo ao contrário, em que os demónios tentam tirar Deus do padre. E resulta, esse atrevimento. E depois, nota-se que Hidalgo conhece bem o terreno que pisa, polvilhando o filme com referências que homenageiam os classicos do género, como a chegada do padre à casa (uma imagem praticamente decalcada de “The Exorcist“), ou a mulher possuída a disparar vómito verde sobre um dos padres. E o ritmo narrativo, algo de que me queixei nos filmes anteriores, é perfeito. A sensação que dá é que o filme nunca abranda, saltando de cena intensa em cena intensa, apesar de ter as normais cenas de exposição, que aqui estão na duração e intenção certas. Claro que as limitações de que falei no inicio se notam, nos valores de produção e em alguns momentos. Por exemplo, a caracterização das personagens possuídas é melhor nas cenas em que existe apenas uma, do que naquelas em que existem várias, mas isso acaba não não ser um factor distrativo, até porque o ritmo, lá está, não nos dá muito tempo para nos preocuparmos com isso. A boa notícia é que há planos para a sequela (provavelmente com maior orçamento), e Hidalgo começará a trabalhar nela a seguir ao remake americano de “La Casa del Fin de los Tiempos”, em que está actualmente a trabalhar. Podem vir mais destes.

Classificação: ★★★½

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