“Nobody” – Porrada Elegante…

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Está a nascer um novo género, ou pelo menos uma nova tendência dentro do género da acção (em que este “Nobody” se insere), para a brutalidade sem limites. Matar mais e mais rápido, se possível com requintes de malvadez, e com belíssimas coreografias a tornarem possível essa matança como se de um bailado se tratasse. Despoletado pelo sucesso de “John Wick” e suas sequelas, o seu argumentista traz-nos aqui mais uma variante do mesmo. Um homem aparentemente normal que, quando ameaçado, se revela uma máquina mortífera capaz de acabar sozinho com uma organização criminosa inteira. Há nuances, obviamente, que tornam este produto (porque é de um produto que se trata) superior.

Bob Odenkirk é Hutch, um homem que intervêm para proteger uma jovem mulher de um grupo de meliantes que a está a incomodar num autocarro, tornando-se no alvo a abater de um líder de uma organização criminosa russa. Até aqui, são apenas os clichés do género. Onde “Nobody” começa a divergir dos demais filmes de porrada de criar bicho, é na elegância, na honestidade e na humanização de (praticamente) todas as personagens.

E é por aí que começamos, pelo guião de Derek Kolstad. Há uma evidente preocupação em criar personagens tridimensionais, criando dinâmicas e espaços na acção para que exista empatia e identificação. Claro que o ritmo narrativo imposto por Ilya Naishuller é fundamental para que esses espaços possam ser povoados por pormenores que lhe dão a elegância de que falava no início. De Naishuller só tinha visto o videoclip de “Bad Motherfucker“, dos Bitting Elbows, e a longa metragem que inspirou, “Hardcore Henry“, ambos apenas longas sequências de acção na primeira pessoa, estilo P.O.V. E é também por isso que este “Nobody” foi uma tão grande surpresa.

Desde a magnífica cena de abertura, ao som de Nina Simone, que percebemos que este é um filme assente na interpretação de Bob Odenkirk, e na sua capacidade de exteriorizar emoções, o que não deixa de ser estranho para um filme de acção puro e duro. Personagens tridimensionais já são raros, com emoções então, contam-se pelos dedos desde o pioneiro “Die Hard“. E, já que falei de “Die Hard” e Nina Simone, outro paralelismo interessante entre os dois filmes é o uso da música. É quase impossível não ver Hutch incendiar a casa ao som de “What a Wonderful World” de Louis Armstrong e não recordar a abertura do cofre da Nakatomi Corp. ao som do Hino da Alegria de Bethoven. Mais uma vez, elegância.

E porque a tridimensionalidade das personagens só funciona se tiverem bons actores a suportá-la, convém referir o resto do elenco: Connie Nielsen (“Gladiator“) é sempre sólida, Aleksey Serebryakov (“Leviathan“) é o europeu a abater (mas consegue suportar o cliché e dar alguma profundidade à personagem), Rza (“The Man with the Iron Fists“) traz o sempre necessário comic relief, o sempre intenso Michael Ironside (“Top Gun“) que nos dá a conhecer uma personagem em duas míseras cenas e o saudoso e bem reaparecido Christopher Lloyd (“Back To The Future”, dah…) que vem dar uma credibilidade extra a tudo isto, até mesmo à personagem de Odenkirk.

E depois é porrada da boa, violência de grau elevado filmada com precisão e, sempre que possível, a tal elegância que torna tudo isto melhor. Se quisermos demarcar melhor as diferenças entre “John Wick” e este “Nobody”, é precisamente esta: no primeiro investe-se mais na coreografia da violência, frenética e intensa, sem dar tréguas ao espectador na contagem de vítimas. Aqui deixa-se respirar, a espaços, com pormenores identificativos e um ritmo narrativo que permita absorver conhecimento e emoções. Wick é mais intenso e Nobody é mais denso, tem mais corpo. Ambos são o que pretendem ser, apenas e só divertimento, mas aqui há a consciência de que isso pode ter sempre algo mais por trás.

Resumindo, depois de “Hardcore Henry” não esperava uma segunda longa metragem como esta de Naishuller, mas o homem aproveitou bem os 6 anos entre os dois filmes e foi estudar (e provavelmente ver o “Die Hard” muitas vezes). “Nodody” não pretende inventar nada, nem educar ninguém. É puro entretenimento violento, mas com uma cobertura gourmet, sendo um dos mais refrescantes filmes dos últimos tempos. E como nós estávamos precisados de um filme assim…

Classificação: ★★★★½

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