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Se bem se lembram, Thomas Vinterberg e Lars von Trier publicaram em Março de 1995 um manifesto que levou à criação do movimento Dogma 95, que perseguia a criação de um cinema mais realista e menos comercial, com uma série de restrições quanto ao uso de técnicas e tecnologias nos filmes, além de regras quanto ao seu conteúdo e seus realizadores. E se Von Trier rapidamente se cansou do seu próprio movimento (apenas o seu filme “The Idiots” de 1998 segue as regras do manifesto), Vinterberg continua a seguir as linhas mestras do manifesto (embora não todas as regras). O resultado é que o seu cinema é muito mais pessoal, humano e realista do que o de Von Trier. O que nos traz a este “Druk“.
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Quatro amigos, todos professores de liceu, testam a teoria de que melhoramos a nossa vida se mantivermos um nível moderado e constante de álcool no sangue. E embora pareça descabida, é uma teoria que acaba por fazer sentido, uma vez que o álcool desinibe, abre a mente ao mundo exterior, os problemas parecem insignificantes e a criatividade aumenta. E se no inicio realmente a sua interacção com os outros melhora, a longo prazo o seu estado de embriaguez constante cria problemas difíceis de conciliar com as suas vidas profissionais e pessoais.
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Esta premissa tão simples adapta-se na perfeição ao constrangimento cinematográfico do manifesto. Vinterberg, à semelhança do que tinha feito em “Jagten” em 2012 (também com Mads Mikkelsen como protagonista e também nomeado para o Óscar de melhor filme estrangeiro), usa a naturalidade formal a favor da estória, de forma narrativa, imprimindo-lhe um ritmo pouco cinematográfico, mas usual no nosso dia a dia. E é essa naturalidade que acaba por dar credibilidade à premissa e nos empurrar a suspender a crença. Depois é estar, ali, com estes personagens, enquanto eles exploram sensações até chocarem de frente com a realidade. E aí, chocamos todos.
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Mikkelsen, mais uma vez, é perfeito. E quanto mais natural o papel, melhor. Assim de repente, só me lembro de outro actor que nunca apanhei a ‘representar’, o argentino Ricardo Darín. São actores que desaparecem dentro dos personagens, transpiram realismo e convencem-nos de tudo o que quiserem. O resto do elenco está também muito bem, principalmente os três compinchas Lars Ranthe, Magnus Millang e Thomas Bo Larsen, e a cara metade de Mikkelsen (no filme), Maria Bonnevie.
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Nesta altura das críticas, geralmente falo da montagem, do som, da banda sonora, da fotografia, etc. Mas se forem ao link que está no primeiro parágrafo deste texto e lerem as regras do manifesto Dogma 95, percebem que o seu propósito é que nenhuma destas características seja digna de nota. E aqui não é. A câmara anda ao ombro, como se fosse mais um personagem, não há iluminação que não seja a que habitualmente exista neste tipo de ambientes, etc. Claro que nem todas as regras do manifesto são aqui cumpridas. Vinterberg está creditado como realizador, e há musica que se sobrepõe aos planos e à montagem. Talvez com o distanciamento de mais de 25 anos, Vinterberg tenha percebido que algumas regras eram superfulas e que o fundamental do manifesto se conseguia com menos.
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Não é portanto à toa, e é até digno de nota, que Vinterberg esteja pela primeira vez nomeado para o óscar de melhor realizador. É a prova de que, no cinema actual, é cada vez mais difícil ser natural, e que é um feito quando isso se consegue. É até refrescante que Vinterberg esteja nomeado, quando já o merecia em “Jagten” ou até antes. Porque é cada vez mais necessário reduzir as emoções cinematográficas ao essencial. Tirar-lhe o fogo de artifício e o estardalhaço e apanhar-nos pelas emoções. Como as da sequência final deste filme, que não me saiu da cabeça durante algumas horas.
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Resumindo, “Druk” é uma lufada de ar fresco num panorama cinematográfico cada vez mais frenético e sensacionalista. É um grito de humanidade. É uma chamada de atenção para as coisas simples e importantes da vida. Sem heróis, sem vilões, apenas pessoas de carne e osso. E é preciso olhar para elas e perceber que são como nós, e que essa projeção, de nós neles ou vice-versa deveria ser aquilo que nos aproximaria do cinema. E não é. E é por isto que, no dia 25, vou estar a torcer pelo Vinterberg.
Classificação: ★★★★½