10 Anos / 20 Escolhas #7 – 2015.

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O 7º convidado, que amavelmente aceitou o meu convite para participar nesta iniciativa de comemoração do 10º aniversário do laxanteCULTURAL, é o José Pedro Lopes, do c7nema. O José Pedro foi outro dos bloguers que conheci em 2010, no encontro de bloguers cinéfilos que teve lugar no Fantasporto. Desde logo deu para perceber que ele tinha um gosto muito particular pelo cinema independente e de baixo orçamento (lembro-me de uma discussão que envolvia o filme “Colin” e o facto do José Pedro ser o único defensor do mesmo). Algum tempo depois percebi que ele próprio fazia filmes independentes e de baixo orçamento. Foi noutro festival, o Porto 7, que vi “O Risco“, a sua 1ª curta com menos de 2 minutos, e que ainda hoje adoro. Acompanhei a sua carreira como realizador e produtor em várias curtas, que culminou na sua 1ª longa metragem “A Floresta Das Almas Perdidas“, sobre a qual já escrevi detalhadamente aqui. Vou encontrando o José Pedro aqui e ali, principalmente pelo facebook e pelo Fantas, e conseguimos sempre ter boas conversas sobre filmes, ou mesmo sobre as dificuldades de os fazer, promover e exibir. É um prazer ter nesta iniciativa alguém que começou neste meio, mas teve a capacidade de passar para o lado de lá, principalmente de forma tão competente e criativa, a escolher um filme dos últimos 10 anos (que, como não podia deixar de ser, é independente e de baixo orçamento). Obrigado, Zé Pedro!

A escolha do José Pedro Lopes – “What We Do In The Shadows” de Jemaine Clement e Taika Waititi.

What We Do In The Shadows - Poster

Nunca fui apreciador do registo “falso documentário” (à exceção, talvez, a surpresa de “O Projecto Blair Witch”) e chegado a 2015, a temática dos vampiros estava para mim esgotadíssima. Por tal “O que fazemos nas sombras” de Taika Waititi e Jemaine Clement teria tudo para não me interessar – no entanto, foi um filme que me apanhou de rompante pela sua frescura e energia.

What We Do In The Shadows 01

O “falso” documentário segue, em estilo de reality show, um grupo de vampiros que partilham uma mansão, todos eles diferentes (dos vampiros mais góticos estilo Anne Rice ou vampiro mais monstruoso estilo Nosferatu). Os conflitos são hilariantes, e a abordagem ao mundo do vampirismo sai renovada. Isto porque certamente após tanta abordagem não esperava que alguém conseguisse pegar no mito de uma forma que fosse ao mesmo tempo divertida como interessante e elucidativa.

What We Do In The Shadows 02

Isto porque efetivamente ser vampiro é uma combinação de bênção e maldição. Viver para sempre vai nos condenar a um grupo de amigos restritos (porque a longo prazo, só os eternos o poderão ser) e obviamente no submundo o convívio é tão fechado e limitado como no mundo real. Se amigos que gostam de futebol se vêem limitados a conversas da bola, e pessoas ligada a algum nicho dificilmente convivem fora do contexto, o quão triste e isolado será ser-se alguém imortal, assassino e com tantas horas de vidas que as vivências se tornam redundantes?

What We Do In The Shadows 03

Uma surpresa vinda da Nova Zelândia – terreno fértil no fantástico provocador desde os tempos de “Braindead” de Peter Jackson – e que lançou um nome forte para Hollywood (Taika Waititi) ao mesmo tempo que criou uma nova fasquia na necessária invenção do cinema fantástico comercial.

A minha escolha – “Be My Cat: A Film for Anne” de Adrian Tofei.

Be My Cat: A Film For Anne - Poster

Olhando para a lista dos filmes estreados em Portugal em 2015, verifiquei que tinha um problema: Dos meus filmes preferidos nesse ano, “Mad Max: Fury Road” de George Miller, “Ex-Machina” de Alex Garland, “Whiplash” de Damien Chazelle ou “Leviathan” de Andrey Zvyagintsev, não haveria muito de novo, original ou até interessante para dizer. Escrever sobre eles seria mesmo redundante. Por isso vou fazer uma pequena batota e escolher um dos filmes que vi esse ano no Fantasporto, em antestreia mundial.

Be My Cat: A Film for Anne 01

E vou fazê-lo por várias razões: primeiro, porque se enquadra num género difícil e demasiado (mal) explorado, o found footage, e fá-lo com responsabilidade e uma pouco usual preocupação com a verosimilhança. Segundo, porque nos apresenta um psicopata de forma natural e empática, a lembrar a inocência (e a loucura) de Norman Bates. Terceiro, porque desde que nos foi apresentado no Fantas, sofreu cortes e transformações que são interessantes de analisar. Por último, porque quando nos deparamos com um produto tão interessante que quase ninguém viu, é nossa obrigação divulgá-lo, ajudá-lo a encontrar um percurso até o seu público, ou vice-versa, sendo essa a principal razão para a origem deste blogue e a sua designação.

Be My Cat: A Film for Anne 02

E vou comçar por esta última e penitenciar-me por talvez estar a fazê-lo tarde demais. “Be My Cat: A Film for Anne” já não está disponível para aluguer ou compra legal em Portugal. Esteve disponível pra aluguer e compra no Vímeo até Fevereiro deste ano (onde cheguei a alugá-lo e a vê-lo quando ficou disponível). Também não se encontra facilmente para download nos usuais torrents e afins. A única forma de o ver é recorrer às plataformas internacionais, desde i-tunes e google até amazon prime e youtube, sendo necessário um vpn e geralmente uma conta num dos países onde a sua visualização é legal. Fazendo uma busca no google por ‘be my cat’ e ‘streaming’, é possível encontrá-lo para visualização (e até se consegue descarregá-lo usando um programa como o jdownloader), num daqueles sites irritantes em que precisamos de abrir e fechar uma dezena de janelas publicitárias até podermos ver o conteúdo que queremos. Apesar de não gostar de promover o acesso ilegal a conteúdo cultural, neste caso não nos resta, para já, alternativa. Mas, vamos à análise do filme, e perceber porque este é um dos filmes mais importantes do género nos últimos anos.

Be My Cat: A Film for Anne 03

Adrian é um aspirante a realizador romeno que, ao ver “The Dark Knight Rises“, desenvolve uma estranha obsessão por Anne Hathaway, acreditando que ela é a atriz certa para entrar no filme que ele idealizou a partir da sua Catwoman. Para a convencer a viajar para a Roménia (Adrian tem a fobia de não sair de casa, onde vive com a mãe), contrata três actrizes, sob falso pretexto, e filma o processo ‘criativo’ que tem com elas, para tentar convencer Hathaway a querer fazer o mesmo com ele. A psicopatia de Adrian vai-se intensificando à medida que vai exercendo controle e poder sobre as suas cobaias.

Be My Cat: A Film for Anne 04

Logo na premissa, o realizador, argumentista, produtor, editor e actor principal Adrian Tofei, elimina o maior problema encontrado nos filmes do género: a credibilidade. Para vos dar um exemplo, refiro o primeiro “Cloverfield“, que seria um grande filme se não tivesse um grave problema de falta de verosimilhança. Numa situação daquelas, uma invasão alienígena, a primeira coisa a ficar para trás seria a câmara, e a preocupação de a ligar sempre que as criaturas se aproximassem. Não é credível que aquelas personagens sejam tão estúpidas a ponto de sacrificarem a própria vida em troco de umas imagens sensacionalistas (embora a internet esteja cheia de exemplos destes), cuja finalidade é o produto que estamos a ver. A tentativa de criar realismo e aproximação ao espectador é sabotada pela falta de impulso de sobrevivência  das personagens, tornando-as irrealistas e estúpidas. E ninguém cria empatia com estúpidos ( a não ser talvez outros estúpidos).

Be My Cat: A Film for Anne 05

Não me entendam mal, eu sei que um dos pontos base para o cinema fantástico ou de terror é a suspensão da crença, mas a mesma tem os seus limites e não se pode exigir demasiado do espectador. Tofei foi por isso bastante inteligente ao criar uma razão sólida e credível para a câmara estar sempre ligada enquanto comete as maiores atrocidades, principalmente quando é o próprio que opera a câmara. Se pensarmos bem, os filmes deste género só resultam quando não há interacção das personagens com a câmara, como no caso de “Paranormal Activity” (sobre o qual escrevi aqui). Outro factor importante para que “Be My Cat: A Film for Anne” resulte é a caracterização da personagem principal. Adrian é um psicopata e isso torna-se claro desde os primeiros minutos, conferindo a credibilidade extra necessária para o facto da câmara estar sempre a gravar.

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A aproximação ao espectador é feita no discurso directo (dirigido a Anne Hathaway, acabando por ser nós os receptores), onde Adrian vai desfiando a sua falta de contacto com a realidade, não conseguindo mesmo sentir empatia pelas suas vítimas, e escalando a sua obsessão pela Catwoman ficcional. Uma das citações que podemos ler no poster do filme diz que este é o mais credível psicopata desde Norman Bates, e é impossível não concordar com ela. Tal como Bates, Adrian revela uma enorme inocência moral, e um desfasamento da sociedade, que o confinam a uma realidade onde não existem qualquer tipo de limites para a sua ambição. Os maneirismos com que Tofei polvilha Adran estranham-se, mas à medida que o vamos conhecendo vamos assimilhando a sua verosimilhança. A sua criação é tão credível que, depois de ver o filme, ao cruzar-me com ele no piso -1 do Rivoli, senti um arrepio que me percorreu a coluna e me fez instintivamente apressar o passo (mais tarde falei com ele e é um tipo estranho mas muito cordial e amável).

Be My Cat: A Film for Anne 07

O filme chegou ao Fantas em bruto, com 109 minutos de duração, e a única coisa que apontei como negativa foi o seu ritmo, que exigia mais edição (algures no segundo acto o filme tornava-se repetitivo e maçador). Foi aliás esse o sentimento geral de quem assistiu à sessão. O filme continuou depois a percorrer o circuito de festivais, e essa opinião generalizada deve ter chegado a Tofei, que provando uma vez mais a sua inteligência, foi editando o filme nos meses que se seguiram, chegando à duração final de 87 minutos com que foi lançado comercialmente (nas plataformas digitais já referidas). Quando saiu para aluguer no Vimeo, aluguei-o para ver no que se tinha transformado aquele diamante em bruto, e deparei-me com uma lapidação exemplar. É muito mais expedito na exposição e não tem quebras de ritmo. A única coisa em que senti diferença, foi no ritual de vestir as suas vítimas inconscientes com um catsuit. Na versão original, esse ritual era repetido nas várias actrizes e era mostrado com todos os pormenores, Na versão final, acontece apenas uma vez e de forma fugaz. Foi a única coisa em que achei que o corte de 22 minutos foi longe demais, pois a nível de caracterização da obsessão, este era um factor importante que importava realçar um pouco mais. Mas no final, o filme resulta melhor e é bem mais pragmático, provando que Tofei é um tipo inteligente e atento ao pormenor e que entende o lado positivo das críticas, usando-as para aprimorar o seu trabalho.

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Resumindo, “Be My Cat: A Film for Anne” seria um filme importantíssimo para o género de found footage, se conseguisse chegar a mais público e tivesse mais visibilidade. Tecnicamente, é o filme possível devido aos meios disponíveis e à sua premissa, mas em termos de idéias, rigor e inteligência (além de respeito pelo género) é exemplar. É pena que Tofei ainda não tenha conseguido financiamento para os dois projectos que está a tentar realizar em simultâneo (fez um crowdfunding há cerca de um ano e tal, que não foi bem sucedido), porque é um realizador que merece ser seguido com atenção.

Classificação: 4/5

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