10 Anos / 20 Escolhas #4 – 2012.

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O 4º convidado desta iniciativa de comemoração dos 10 anos do laxanteCULTURAL é o Francisco Rocha, do My Two Thousand Movies. É o primeiro que não conheço pessoalmente, mas isso não nos impede de ter uma amizade sólida, com cumplicidade e até algumas discussões ocasionais. O blog do Francisco é um caso único na nossa blogosfera, funcionando como um depósito de filmes para consulta, com uma programação cuidada e exemplo para muito pseudo-programador cultural deste país. Há uma rigorosa estratégia por trás do trabalho do Francisco, que deve ser admirada, e até protegida. E foi isso que aconteceu no inicio de 2013, quando a Google apagou o My One Thousand Movies, o 1º blog do Francisco que contava já com cerca de 3000 filmes. A blogosfera cinéfila portuguesa uniu-se, numa iniciativa inédita e única, e publicou em uníssono um comunicado que podem ler aqui. O Francisco faz juz à máxima “de génio e de louco, todos temos um pouco” e é um prazer contar com ele nesta modesta iniciativa. Obrigado, Chico!

A escolha do Francisco rocha – “4:44 Last Day on Earth” de Abel Ferrara.

4:44 Last Day on Earth - Poster

Estamos a viver um período muito nostálgico para a blogosfera portuguesa, ou, pelo menos, para a que resta da velha guarda. Faz mais ou menos 10 anos que a blogosfera era um sitio prosperante, onde muita gente gostava de partilhar os seus gostos cinematográficos. Foi a partir de 2007, 2008, que se deu o boom, e começaram a surgir diversos blogues de cinema.

Antes das “discussões” passarem para as redes sociais, era um prazer partilhar as nossas opiniões no nosso espaço público. Eu comecei em Agosto de 2008, o Pedro em Março de 2009. Devíamos ser muitos a completar 10 anos por esta altura, mas grande parte dos blogues de cinema portugueses ficaram pelo caminho neste espaço de tempo. Por isso, é um prazer dar os parabéns a um companheiro de luta, como é o Pedro, por todos estes anos de resistência.

4:44 Last Day on Earth 01

Confesso que nunca fui muito de listas de melhores, do ano, por várias razões, e uma delas está indirectamente relacionada com este filme. Não me lembro de ter feito alguma lista em 2012, mas se tivesse feito, este filme não figuraria lá de certeza. “4:44 Último dia na Terra” tinha à partida dois trunfos muito fortes, tinha um dos meus realizadores preferidos da altura, Abel Ferrara, e um dos meus actores preferidos de sempre, Willem Dafoe. Era uma história apocalíptica sobre o fim do mundo, um tema que também gostava, e, por isso, tinha tudo para bater certo. E bateu, mas ainda levou o seu tempo. O último filme que eu tinha visto do Ferrara já era de 1998, o “New Rose Hotel“, por isso não estava preparado para a entrada no novo universo intimista do realizador.

4:44 Last Day on Earth 02

Os filmes de Abel Ferrara normalmente acontecem num mundo dominado por tendências destrutivas, que vão desde a corrupção, à perversão e a culpa católica. Em “4:44”, a primeira produção de Ferrara em Nova Iorque em uma década, o realizador leva essa fixação ainda mais além, tendo em conta que era o fim do mundo. Só que Ferrara apresenta a sua visão apocalíptica de uma forma muito discreta, provavelmente o seu trabalho mais pessoal até então, e também ironicamente o mais afirmativo em relação à vida, depois de uma carreira caracterizada pela raiva e pelo ódio, dois temas que, definitivamente, moviam qualquer fã do realizador como eu. Bastava recordar filmes como “The Driller Killer” ou “Bad Lieutenant” para perceberem onde eu queria chegar.

4:44 Last Day on Earth 03

Ao contrário do território de ficção cientifica que Ferrara tinha abraçado em “Body Snatchers“, em “4:44” ele simultaneamente goza com o mundo e abraça-o. A tecnologia é cada vez mais inútil à medida que vamos nos aproximando do fim do mundo, e a relação intimista entre os personagens começa a vir ao cima, com Willem Dafoe a brilhar como já era seu costume, e uma revelação que se chamava Shanyn Leigh, namorada do realizador da altura, e que tinha sido descoberta na vaga de filmes “italianos” do cineasta.

4:44 Last Day on Earth 04

Lembro-me que vi o filme pela primeira vez em ante-estreia, ainda em 2011, num festival de cinema de Lisboa, mas “4:44” esteve quase um ano à espera para ter uma direito a uma exibição discreta nas salas de cinema. Este primeiro visionamento deixou-me com “mixed feelings” em relação a “4:44”, mas seria já em 2012 quando ele teve estreia mundial na internet, que resolvi dar-lhe uma segunda hipótese, e mais tarde uma terceira. À medida que o ia vendo ele ía-se transformando num filme de culto para mim, e hoje posso dizer sem rodeios que é o meu filme preferido do século XXI.

Há filmes que aprendemos a amar com o tempo, e para a minha pessoa este foi o exemplo mais flagrante. Agradeço ao Pedro o convite, e logo por ter ficado com o ano de 2012. Um grande abraço.

A minha escolha – “Tabu” de Miguel Gomes.

Tabu - Poster

Até agora, 2012 foi o ano mais dificil para escolher apenas um filme. Olhando apenas para o meu top de 2012, há mais de uma mão cheia de filmes sobre os quais não escrevi ainda e me apeteceria fazê-lo, tais como: “Tabu”  de Miguel Gomes, “Shame” de Steve McQueen, “Amour” de Michael Haneke, “We Need to Talk About Kevin” de Lynne Ramsay, “Bir zamanlar Anadolu’da” (“Era Uma Vez Na Anatólia“) de Nuri Bilge Ceylan, “Kill List” de Ben Wheatley ou “The Perks of Being a Wallflower” de Stephen Chbosky, entre outros. Para facilitar a escolha, fui pelo óbvio, aquele que para mim foi o melhor filme do ano, mesmo correndo o risco de me acusarem de favoritismo ou patriotismo, uma vez que é o terceiro filme português consecutivo que escolho. Mas, contra factos não há argumentos e se há filme que me esmagou em 2012, foi o “Tabu”.

Tabu 01

Quando fiz a minha escolha em 2012, justifiquei-a dizendo: ‘O aclamado e multi-premiado filme de Miguel Gomes é um prodígio narrativo, com uma estória universal e intemporal filtrada por um olhar estético inovador que a despe de artifícios e a reduz ao essencial, aumentando-lhe a força e a beleza. Pura poesia.’ Traduzindo, o essencial aqui, mais do que o conteúdo, é a forma. A narrativa a dois tempos, com diferentes artifícios de estilo que lhe dá profundidade, é o ponto mais forte de Gomes, o seu olhar único e imprevísivel.

Tabu 02

Se tivesse de apontar um ponto negativo ao filme, diria que perdeu a oportunidade de usar cor num dos tempos da estória (podia ser em qualquer um dos dois), para acentuar essa diferença. Visualmente, o preto-e-branco torna-se um pouco cansativo, apesar de ter um bom contraste, conseguindo misturar preto e branco nos diferentes tons de cinza. Mas isso é apenas uma questão de gosto pessoal e a escolha do realizador é absolutamente válida e respeitável.

Tabu 03

Já a escolha pela ausência de diálogos na segunda metade acerta em cheio, tornando essa fase da estória mais universal e poética. É também mais exigente para o espectador, prende-lhe a atenção e hipnotiza-o (devido ao tom monocórdico da narração), deixando-o à mercê das emoções. É de uma beleza rara, quase inóspita, mas envolvente. E é de uma aparente mas falsa simplicidade.

Tabu 04

As interpretações acompanham o rigor e densidade poética da obra, principalmente da segunda parte, transmitindo emoções sem recorrer à voz, mais uma vez com aparente mas falsa simplicidade.

Resumindo, o filme de Gomes é um objecto estranho, entranhante e um portento emocional e plástico. E é absolutamente imprescindível.

Classificação: 5/5

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