Fantasporto 2012, Dia 5 – Sessão de Abertura, “Shame” e “Bag Of Bones”.

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Ao quinto dia arrancou o Fantasporto a sério. Na cerimónia protocolar não houveram grandes surpresas, apenas o prémio de carreia atribuido ao cineasta russo Karen Shakhnazarov, um velho conhecido dos espectadores do Fantas e alvo de uma retrospectiva nesta edição. Depois da apresentação feita por António Reis e do discurso bem humorado do realizador, foi a vez de Beatriz Pacheco Pereira fazer o discurso de boas vindas habitual, este ano uma vez mais pontuado pela crise que a cultura e o festival atravessam, passando a batata quente ao Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas. Aqui também nada de novo, já se sabe que o confronto dos políticos responsáveis pela cultura com o público do Fantas resulta sempre em promessas (e este público sabe que de boas intenções está o inferno cheio… não é Doutora Canavilhas?) temperadas com humor, deixando sempre a porta aberta com a desculpa antecipada de “se não der não é por falta de vontade”. No entanto, não me lembro de alguma vez um politico se ter esforçado tanto por vincar o seu conhecimento de cinema. Do discurso ficou a promessa bem mais ampla e interessante de criar o “Plano Nacional de Cinema“, criando uma lista de filmes obrigatórios para os alunos do 1º e 2º ciclos, como acontece já com a literatura. A ver vamos. Depois veio o cinema, a verdadeira razão de estarmos todos ali a encher o grande auditório do Rivoli…

Confesso que ainda não vi “Hunger”, a anterior colaboração de Steve McQueen e Michael Fassbender, o que fez com que abordasse “Shame” sem expectativas, apesar de tudo o que já tinha lido e visto sobre o filme. Talvez por isso ou não, o facto é que este “Vergonha” (no título nacional) me encheu as medidas, faltando apenas uma estória mais sólida que complementasse a espantosa técnica narrativa de McQueen.

Brandon Sullivan (fabuloso Fassbender) é um viciado em sexo crónico, incorporando-o em todas as suas rotinas diárias e dedicando-lhe os seus momentos de lazer. Quando a sua irmã Sissy (espantosa Carey Mulligan) se instala em sua casa, Brandon vai ter de reorganizar a sua vida e conter o seu desejo.

Aquilo que mais me agarrou no filme foi a forma como a câmara acompanha a narrativa. Desde os enquadramentos, em que um plano estático não quer necessariamente dizer que a câmara esteja parada, até aos subtis movimentos de câmara ou à forma como discretamente nos é mostrada a acção de forma indirecta, McQueen hipnotizou-me desde o inicio. Há duas cenas em que isso atingiu o nível máximo de perfeição: aquela em que Brandon vai ouvir a irmã cantar a um bar (fabulosa versão sofrida de “New York, New York“), e outra em que está no restaurante com uma colega de trabalho.

Esta forma de filmar de McQueen consegue a proeza de envolver o espectador nos acontecimentos, mesmo que a estória não seja, que não o é, muito interessante ou inventiva. A realização de Mcqueen compensa fortemente esse factor menos positivo no filme.

Enormes são os actores que dão vida a Brandon e Sissy. Fassbender é assombroso, arriscando aqui como nunca e dando provas da sua meticulosidade e empenhamento. Seja nas cenas de contenção ou de expansividade, lemos a sua expressão como se de um livro aberto se tratasse, nunca perdendo aquela margem para a imprevisibilidade do personagem. Mulligan é perfeita na sua aparente inocência e intensidade, dando provas da sua versatilidade também como cantora. A sua versão do clássico de Sinatra ficará para a história do cinema. Nas mãos de outros actores, este argumento e personagens seriam bidimensionais.

Tudo no filme é perfeito para colmatar o argumento previsível: a fotografia de Sean Bobbitt (“Hunger”), a montagem de Joe Walker (“Hunger”) e a música de Harry Escott (“Hard Candy“) são fundamentais para a intenção narrativa de McQueen. Resumindo, “Shame”, resulta num filme sólido e inspirado, manipulador no bom sentido e com um magnetismo emocional que não é comum no cinema actual. A não perder.

Classificação: 4.5/5

Bag Of Bones” preencheu as restantes duas sessões da noite, contanto com a presença do realizador Mick Garris que ficou até fim, querendo sentir a reacção do público a mais esta adaptação televisiva de um romance de Stephen King. A lembrar as adaptações dos anos 80 de “It” e “The Tommyknockers“, Garris consegue aqui uma muito boa adaptação de uma estória que infelizmente repete os elementos centrais da obra de King.

Pierce Brosnan (excelente, como sempre) é aqui um escritor que deixa de conseguir escrever após a morte da mulher e refugia-se na casa de campo, onde vai entrar em contacto com alguns fantasmas e uma tragédia que atravessa gerações.

Apesar dos clichés, “Bag Of Bones” consegue plenamente os seus propósitos: entreter e assustar uma audiência especifica que não se importa de voltar a este universo quando a qualidade assim o justifica. Mesmo para quem já tinha visto (como era o meu caso), ver este formato especifico em grande ecrã e sem interrupções foi uma aposta ganha do realizador e da organização do festival.

Classificação: 3.5/5

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