À Flor d’ “A Pele Onde Eu Vivo”.

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Para começar, devo reafirmar que sou um fã incondicional de Almodóvar. Não me lembro de um filme dele que não me tenha arrebatado emocional e sensorialmente. Este “A Pele Onde Eu Vivo” não foge à regra, mas marca também um pequeno afastamento aos géneros habitualmente explorados pelo cineasta espanhol, apesar de manter intactos os temas e aspectos do seu cinema: personagens marginais e marginalizadas, sensualidade e perversão sexual, estórias bizarras, linha temporal fragmente e alternada, tudo explorado em cores fortes e vibrantes completadas pela  plasticidade na composição fotográfica. Para mim, é um dos filmes do ano.

Robert Ledgrad (Antonio Banderas) é um brilhante cirurgião plástico obcecado em criar uma pele sintética imune a todo o tipo de dano ou deterioração. Para isso tem Vera (Elena Anaya) aprisionada na sua clínica privada, cobaia à força vigiada por Marília (Marisa Paredes), uma cúmplice que faz tudo para proteger Robert. À medida que o passado se vai desvendando, percebemos a causa da obsessão de Robert, e uma maquiavélica estória de vingança em que Vera é a chave principal.

La Piel Que Habito” vinha rotulado como a primeira incursão de Almodóvar no terror, mas nada poderia ser mais enganador do que isso. Se há aqui terror, ele é meramente psicológico (o que não é novidade na obra do realizador). Este regresso de Banderas ao trabalho com o realizador de “Ata-me!” começa por ser um drama com contornos de thriller, para acabar como um thriller com contornos dramáticos. E esse é o grande problema deste filme, e o verdadeiro desvio na obra do realizador.

E não é gratuitamente que eu menciono “Ata-me!” (um dos meus filmes preferidos de Almodóvar). Até bem perto do final, este “A Pele que Habito” parecia ser a actualização da estória do marginal que rapta a sua estrela porno preferida com a convicção de que ela, quando o conhecesse, se apaixonasse por ele. A estória de amor entre personagens que nada tem em comum até serem colocadas em situações extremas, parece ser o objectivo de Almodóvar aqui, até fazer uma rotação de 180 graus nos minutos finais e reduzir o filme a uma mera vingança redentora. Almodóvar vira assim costas à liberdade que o seu cinema tinha em relação aos estereótipos do amor, e ganha consciência moral.

Felizmente, isto não estraga o filme, apenas torna a viagem mais interessante que o destino. Continuam a estar aqui as marcas do seu cinema, apenas a convicção de Almodóvar de que os fins justificam os meios parece estar abalada. A forma de contar esta estória é irrepreensível. Da confusão inicial do espectador, aos flashbacks que põem os elementos da estória nos seus lugares, aos avanços e recuos da narrativa, a descoberta deste filme é uma experiência inteligente e recompensadora. O realizador nunca perde vista o fio condutor da narrativa e reafirma aqui uma competência técnica muito acima do comum.

O regresso de Banderas é justificado com uma excelente interpretação, muito segura e intensa, bem longe do histrionismo que caracteriza a sua carreira em Hollywood. Elena Anaya, mais bela do que nunca, tem vindo a revelar-se cada vez mais uma das grandes actrizes espanholas da actualidade, a um passo de uma internacionalização irreversível. E Marisa Paredes, uma das musas de Almodóvar volta a estar perfeita num personagem com emoções dúbias. Outros colaboradores habituais de Almodóvar, como Alberto Iglesias e José Luis Alcaine ( na música e fotografia respectivamente) voltam a assinar aqui belíssimos trabalhos.

Resumindo, “A Pele Onde Eu Vivo” é mais um excelente filme de Almodóvar que apenas me desiludiu pelos últimos minutos, mas que certamente agradará a quem aprecie twists finais. Eu preferia que, mais uma vez, o amor tivesse nascido de um lugar estranho. Mesmo assim, ficou em quarto na minha lista dos melhores de 2011 e é um filme que resiste a múltiplos visionamentos. Só isso já quer dizer muito.

Classificação: 4/5

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