“Let Me In” – A Homenagem Exemplar.

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Quando aqui publiquei a minha lista dos melhores filmes de 2009, “Let The Right One In” de Tomas Alfredson, ocupava um honroso 2º lugar. É uma obra-prima unânime dum género que, cada vez mais, produz menos filmes significantes. Isso fez com que alcançasse reconhecimento mundial, invulgar para um filme sueco, e conquistasse 60 prémios internacionais. Alheio a este fenómeno cinematográfico ficava os Estados Unidos, mercado fechado a quase todo o cinema não falado em inglês, e onde bons filmes estrangeiros têm de ser refeitos para poderem ser vistos,  de forma a não conterem as incómodas legendas. São muitos os casos, mas nenhum até hoje alcançou a qualidade da obra original. Até agora…

Owen (Oskar no filme original), é um adolescente filho de pais separados, que vive com a mãe e é vítima de bullying na escola. Solitário e marginalizado, refugia-se no seu desejo de vingança e na observação do mundo que o rodeia. Até que conhece Abby (Eli no original) que acaba de se mudar com o pai, e com quem trava, a custo, uma amizade. Mas Abby é uma vampira e a sua necessidade de alimentação vai colocar em risco todos os que a rodeiam, forçando Owen a ter de fazer uma escolha que mudará para sempre a sua vida.

Se há coisa que aprendi na minha passagem pelo curso de arquitectura da Universidade do Porto, é que mais vale inventar bem do que copiar mal. Este “Let Me In” é o filme que comprova esta teoria. Matt Reeves, o realizador, vinha de um sucesso recente com o bastante interessante “Cloverfield“, onde  fundia o filme de monstros com o género home-movie, com resultados surpreendentes a nível técnico, artístico e comercial. Apesar disso, fiquei de pé atrás quando soube da sua escolha para este remake, provavelmente por gostar tanto do filme original. Felizmente, Reeves também provou ser um fã da obra, optando por filmar na integra o trabalho original (por vezes repetindo exactamente os mesmos planos de Alfredson), e adicionando um ou dois pormenores que não mudam o sentido do original, reforçando-o.

Há um maior aproveitamento de um personagem secundário, que aqui passa a polícia, apertando mais o cerco e sublinhando a ameaça que paira sobre Abby, e a clarificação da relação que ela tem com o homem que a protege e alimenta, através da subtil inserção do plano de uma fotografia que não estava na obra original. Estes dois elementos contudo são bem inseridos no contexto do filme original, que aliás não sofre qualquer alteração de ritmo ou ambiguidade, apenas o tornando ainda mais sólido.

Ao nível das interpretações, Chloe Moretz e Kodi Smit-McPhee são perfeitos como Abby e Owen. Moretz consegue mesmo dar uma maturidade e inocência à personagem que acentua a sua ambiguidade (no original, Lina Leandersson ficava-se mais pelo lado inocente, talvez devido à menor experiência como actriz). Richard Jenkins mantém o nível a que já nos habituou como o protector de Abby, conseguindo também dar mais solidez ao cansaço e frustração do personagem (embora tenha tido também mais tempo de ecrã do que o personagem no filme original). O policia aqui é interpretado pelo excelente e muitas vezes subaproveitado Elias Koteas, noutra grande e sóbria interpretação.

A realização de Reeves, como já o dei a entender, é brilhante! As suas opções, quer na escrita do guião quer na direcção que deu ao filme, mostram um respeito enorme pela obra original, nunca o fazendo cair na banal cópia mas sim na sentida homenagem. A fotografia e direcção artística são de um rigor impressionante. Parecendo que não, é mais difícil reproduzir imagens já existentes do que criar algo partindo apenas da imaginação. Por último, o C.G.I. No original existia apenas na cena do incêndio no hospital. Aqui Reeves optou por dar mais agressividade aos ataques famintos de Abby, algo que me parece acertado, pois dando-lhe mais agressividade reforça-lhe a ambiguidade.

Resumindo, “Let Me In” é uma das mais agradáveis surpresas do cinema recente. Nunca nenhum remake americano de um filme estrangeiro esteve à altura do original, apesar de haver um ou outro satisfatório (caso de “Os 7 Magnificos“). No caso de reproduções, também não há memória de algum que respeitasse na integra o original (lembram-se de “Psycho“?). Reeves tem, por isso, aqui uma vitória singular e histórica, que espero não se traduza numa disenteria de remakes nos tempos mais próximos. “Let Me In” é, à semelhança do seu original um dos melhores filmes do ano, que merece ser visto (de preferência, depois de já se ter visto o original), por mais que exista preconceito contra a razão de ser do projecto.

Classificação: 4.5/5

3 comentários em ““Let Me In” – A Homenagem Exemplar.”

  1. Discordo quanto a duas coisas: A fotografia não estava tão fenomenal como no original (duvido que fosse problema da projecção porque vi vários filmes nessa sala nesse dia). E finalmente acho que se deve ver este antes do original apenas porque ainda não vi nenhuma opinião vinda desse ponto de vista.

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    • Olá Nuno, obrigado pelo teu Comentário.
      Eu pensava que tu ias discordar mais da parte das interpretações, passou-te despercebida ou concordas comigo? Quanto às tuas discordâncias, quando falo do rigor da fotografia, falo na forma como conseguiram reproduzir o original, nos enquadramentos, na iluminação e até na imagem granulada que ambos os filmes têm. Não os vi no mesmo formato (não vi o primeiro em cinema), não posso comparar questões de luminosidade, etc.
      Quanto à ordem em que se devem ver os filmes, fundamento a minha opinião com duas razões fundamentais: A contextualização das obras e o facto do 2º ter cenas que o 1º não tem. Ver primeiro o original dá-lhe mais impacto, pela novidade da estória, pela forma como está realizado, etc. Temo que ao verem primeiro o 2º sintam falta de algumas cenas que estão no remake e não dêem o devido valor ao filme sueco.
      Sinto que vamos continuar esta saudável discussão.
      Um abraço.

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  2. Gostei imenso do original sueco e sinceramente nem me tinha ainda apercebido da existência desta remake, muito provavelmente pela idêntica tradução em português. É verdade que as versões americanas são quase sempre piores do que os filmes por eles roubados (e tantas vezes descaradamente adulterados), mas estou-me a lembrar agora de uma comédia deliciosa com o Gene Hackman (“A Gaiola das Malucas”) que gostei bastante mais do que o original francês. Talvez a excepção que confirma a regra.

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