A recente diarreia de filmes de super-heróis há muito que pedia uma desconstrução, uma paródia concreta e inteligente, que agradasse tanto a fãs como a detractores do género. “Kick-Ass- O Novo Super-herói“, podia ser esse filme, mas infelizmente prefere optar pela velha máxima ‘se não podes vencê-los, junta-te a eles’. E assim, aquilo que podia ser um filme importante para a cultura popular das novas gerações, fica-se por um excelente divertimento, com alguma inteligência, irreverência a rodos e muita, muita violência.
Dave Lizewski é um geek, fã de banda desenhada e da internet, sem jeito nenhum para as mulheres, mas apaixonado por uma colega do liceu, para quem é absolutamente invisível. Após ser assaltado pela milésima vez, decide ser super-herói, com uniforme foleiro e tudo, para combater o crime e livrar os palermas como ele da escória da sociedade. Claro que leva no pêlo, mas ao recorrer à Internet, cedo se torna num fenómeno de popularidade. Isso vai atrair o grande criminoso da cidade, mas também aqueles que, como ele, querem fazer justiça pelas próprias mãos.
Realizado por Matthew Vaughn (“Layer Cake” e “Stardust“) e adaptado da popular B.D. de Mark Millar e John Romita Jr., “Kick-Ass” começa muito bem. A excelente caracterização de Dave vai alastrando para outras personagens, criando uma teia de estórias que , mais cedo ou mais tarde, sabemos que se cruzarão. Mas Vaughn leva o seu tempo, entretendo-nos com estórias bem contadas, profundas (tanto a de Dave / Kick-Ass, como a de Mindy Macready / Hit-Girl e do seu indescritível pai), cruzando o filme de adolescente com o desencanto da maturidade e das aspirações a algo mais, mesmo que, neste caso, seja algo tão absurdo como ser super-herói. E é aqui que o filme acaba por falhar: porque um filme com esta premissa nunca poderia ser levado a sério, transformar esta estória num espectáculo visual de acção, com heróis mascarados armados até aos dentes e a voar, acaba por ser um pecado imperdoável.
No entanto, está longe de ser um mau filme. Tem um elenco excelente, que cumpre bem aquilo que lhe é pedido, mesmo quando entra nos terrenos do drama familiar ou nos imbróglios típicos da adolescência. Na melhor parte do filme (os primeiros dois terços), é um deleite ver Chloe Moretz (Hit Girl), Nicholas Cage (Big Daddy) ou Aaron Johnson (Kick-Ass). Moretz é deliciosamente perversa, uma mortífera heroína de apenas 11 anos, graças ao pai, que deveria ser denunciado aos serviços sociais pela educação que dá à filha. Cage tem aqui o seu melhor papel nos últimos anos (leia-se ‘depois de “Leaving Las Vegas“) e é extremamente eficaz na composição de psicopata à procura de vingança. De Mark Strong, pouco há a dizer, apenas reforçar aquilo que já disse: é um dos melhores actores de composição da actualidade, um secundário que enche o ecrã e capta para si a atenção do espectador. E nem precisou de um vilão histérico ou demente.
A realização de Vaughn é segura e pragmática, conseguindo excelentes momentos e criando mesmo algumas cenas memoráveis, quer pela ironia, pela profundidade de personagens e sentimentos ou apenas por uma forma de entretenimento tão corrosiva e deliciosamente imoral. Não fosse ser traído pelo argumento no último terço e seria certamente um dos melhores filmes do ano. Funcionam a seu favor, a fotografia, a direcção artística, a caracterização, os efeitos especiais, mas principalmente uma banda sonora recheada de pérolas escolhidas a dedo (Danny Elfman, Primal Scream, Prodigy, Ennio Morricone, etc.).
Resumindo, “Kick-Ass” é um excelente divertimento, que podia e prometia ser algo mais, mas que ainda assim consegue ganhar na comparação com blockbusters do género, como o recente “Iron Man 2“. É um filme inteligente (nos primeiros dois terços), que pisca o olho aos fanáticos pelos comics, mas que agradará também a quem procura um cinema mais adulto e sobretudo mais irreverente. A ver, enquanto ainda está em exibição.
Classificação: 4/5