Estava com expectativa moderada em relação a “Halloween Kills“. Sou um grande fã de “Halloween“, o clássico de John Carpenter que, em 1978, reinventou o cinema de terror com a sua crueza e objectividade. E gostei do “Halloween” de 2018, apesar de David Gordon Green não ser tão interessante como realizador quanto Carpenter. O facto de ser uma sequela directa do primeiro (com 40 anos de intervalo) e o regresso de Jamie Lee Curtis, deram-lhe um carácter nostálgico que o filme soube aproveitar a seu favor. Já se sabia que este regresso seria uma trilogia, com mais filmes em 2020 e 2022, o que retirou ao filme de 2018 algum interesse quanto ao destino de Michael Meyers. E “Halloween Kills”, que acaba de estrear (com um ano de atraso por causa da pandemia), prova que, retirando-lhe o factor nostalgia, a saga não tem muito mais a oferecer.
“Halloween Kills” continua exactamente no momento em que o anterior tinha acabado, com Meyers encurralado numa casa a arder e Laurie ferida com gravidade. Quando Meyers escapa e se torna público que está à solta em Haddonfield, os sobreviventes da fatídica noite de Halloween de 1978 juntam-se para o apanhar.
Dito, assim, a ideia não é má, continuando a expremer o factor nostálgico com os outros sobreviventes do primeiro filme. O problema é que eles aparecem aqui de forma forçada, e ninguém tem interesse nenhum nestas personagens. O filme começa com um flashback à noite de 1978, para nos relembrar (ou implantar novas memórias) de quem sobreviveu naquela noite. Achando que isso não basta, o realizador e os argumentistas, ao apresentarem-nos esses sobreviventes na actualidade, voltam a inserir a imagem correspondente do flashback, para que tenhamos a certeza que a personagem é a mesma e por isso temos de nos preocupar com ela. Não é assim que funciona, é preciso que tenhamos algum tipo de ligação afectiva com uma personagem para nos preocuparmos com ela e as suas acções. Mas enquanto que com Laurie houve uma preparação, ficámos a perceber no que se tornou nos últimos 40 anos e o que se preparou para o reencontro com Meyers, nas restantes personagens, nada. Estão a beber num bar, vêem na televisão que ele está à solta e decidem ir atrás dele, com pistolas e tacos de baseball.
E isso acontece com a restante galeria de personagens. Somos apresentados a novas personagens, elas morrem na cena seguinte em que aparecem. E pronto, é para isso que servem. E isso até seria válido se essa apresentação fosse profunda o suficiente para nos preocuparmos com elas, mas não, nalguns casos é até mesmo ridícula. Como o casal de idosos que está dentro de casa à noite a brincar com um drone em miniatura, porque é isso que os casais idosos fazem. Aonde eu quero chegar é que “Halloween Kills” não tem uma pontinha que seja de verosimilhança. Como a motivação de Meyers. No filme anterior a sua motivação era matar Laurie Strode, a ponto de a perseguir até sua casa e às armadilhas que ela montou para ele. Quando escapa da casa, o que é que ele faz? Dá um passeio, passa em casa de uns velhotes, vai até à sua antiga casa, matando todos os que encontra pelo caminho. E é isto.
E não é que os argumentistas não tentem encontrar justificação mas soa sempre a forçada e redunda em ridícula. Como o monólogo que Laurie tem no hospital sobre Michael ser a encarnação do mal, que se sobrepõe em voz off ao confronto dele com os restantes sobreviventes. Não passa de (mais) uma simples tentativa de manipulação do espectador. E que raio de obsessão é esta com tirar a máscara a Myers? Toda a gente sabe quem ele é, não interessa olhar para a cara dele nem o aspecto que tem. E não leva a nada, porque sempre que a máscara sai do seu rosto e se faz questão de a mostrar em grande plano, como que a dizer “a máscara caiu, vamos ver a cara dele”, o plano seguinte é de trás, ou de baixo, ou é de longe e tem alguma coisa a obstruir-lhe estratégicamente a cara. Não interessa! Não é como no “Scream” em que queremos ver a cara para saber quem é o assassino. É o Michael Myers, parem de perder tempo com isso.
Tenho visto gente que gosta do filme a justificá-lo com ‘tem umas mortes porreiras’. Não tem. Michael Myers mata como sempre matou, com um facalhão no bucho ou num olho, espetanto com uma cabeça na parede ou num vidro ou partindo um pescoço. Não tem nada de muito elaborado porque Meyers não é assim. Se quiser ver ‘uma morte porreira’, vejo um dos filmes da saga “Final Destination” ou “Saw“. A glorificação da morte não é, e felizmente não quer ser, o que interessa em Halloween. Mas, vendo “Halloween Kills” também não se percebe o que é.
Tecnicamente, o filme até tem alguns pontos de interesse, como a fotografia ou a montagem, mas que não salvam a falta de objectividade do conteúdo. E, como no melhor pano cai a nódoa, a música de Carpenter também parece não saber o que pretende. Falta-lhe aqui a envolvência que a carateriza noutros trabalhos, nomeadamente os do próprio realizador. As interpretações são competentes, principalmente se levarmos em conta aquilo com que tem de trabalhar. Jamie Lee Curtis, Judy Greer, Andi Matichak, Will Patton e Anthony Michael Hall fazem o possível, mas quero destacar positivamente Robert Longstreet. Já me ouviram falar dele nas suas colaborações com Mike Flanagan, mas aqui ele encontra forma de dar à sua personagem uma profundidade que ela não tem. Com um gesto ou uma inflexão na voz, ele consegue fazer-nos interessar por Lonnie. Num filme destes, esse é um feito digno de nota.
Resumindo, “Halloween Kills” é perfeitamente dispensável. Não há aqui nada que contribua positivamente para a estória ou as personagens de Meyers e Strode. Esperemos que “Halloween Ends“, a estrear em 2022, traga alguma objectividade e reponha a dignidade da saga, que se livre do que não interessa (como as tentivas de humor desnecessárias e falhadas) e dê a tudo isto o fim que Carpenter (e nós fãs) merece(m).
Classificação: ★★★★★
Gostaram do filme? Concordam com a minha crítica? Digam de vossa justiça nos comentários. E se quiserem melhores sugestões para o vosso Halloween, podem conferir as minhas aqui.