Já tinha dado por encerrada esta edição do Fantasporto 2020, a 40ª, quando decidi ir à sessão dos premiados da secção de cinema português. Como sabem, assisti a todas as sessões competitivas no grande auditório, mas esta secção foi toda exibida no pequeno. Fui portanto ao Rivoli, pela última vez nesta edição do Fantas, e ainda bem que o fiz. O resultado foi o que se segue.
“Bunker ou Contos Que Ouvi Depois Do Mundo Acabar“
PRÉMIO DE CINEMA PORTUGUÊS- MELHOR FILME
João Estrada – 38’ (Port) – PCP – FILME – ANTESTREIA MUNDIAL
O ar está irrespirável e só de máscara se pode estar ao ar livre. Mas um produto miraculoso pode tornar as pessoas imunes ao ar tóxico. Num Bunker, um grupo luta pela droga salvadora. Com António Capelo, Maria João Abreu e Irene Cruz.
Apreciação: Uma bela surpresa, esta curta de ficção científica nacional. Estrada consegue, com meios limitados, criar um clima denso e absorvente, num cenário apocalíptico contido mas verosímil. A estória é contada de forma clássica mas segura, com alguns elementos oníricos que Estrada foi adicionando, solidificando a narrativa base e criando espaços para que esta respire. Boa direcção artística e fotografia, e interpretações sólidas de veteranos e estreantes, num elenco seguro e homogéneo. O único ponto negativo (ou meio ponto, neste caso) é ter uma duração estranha, quase televisiva, que pode prejudicar a sua exibição comercial. E este filme merece público, quanto mais não seja, porque é um género pouco explorado por cá, e que precisa de mais bons exemplos como este.
Classificação:
“Por Detrás da Moeda“
PRÉMIO DO PÚBLICO | MENÇÃO ESPECIAL DO JURI CINEMA PORTUGUÊS
Luís Moya – 93’ (Port) – PCP – FILME – documentário – falado port – ANTESTREIA MUNDIAL
O que se esconde atrás dos músicos que actuam nas ruas do centro do Porto? Luís Moya, vencedor do Prémio de Melhor Filme Português no Fantasporto 2013 com “Mia Mia Sudan Tamam Tamam”, renova o seu estilo de imersão em mundos que se revelam difíceis mas também cheios de humanidade, e vive o dia-a-dia destes músicos e personalidades originais que poucos conhecem.
Apreciação: Não esperava que “Por Detrás da Moeda” fosse tão pungente e arrebatador. Partindo de uma premissa simples, documentar a vida dos músicos de rua do Porto, Moya vai construindo a narrativa como se estivesse a descascar uma cebola, camada por camada. Com uma contextualização frenética, Moya vai percorrendo locais e personagens numa busca de substância. Vai constrastanto estes músicos anónimos com outros mais conhecidos e estabelecidos, ao mesmo tempo que os vai distinguindo, por vocação ou necessidade. E este percurso é intenso e esclarecedor. Até Moya encontrar a história, o músico de rua que não se enquadra no sucesso. É aqui que o filme abranda e se aproxima, ao mesmo tempo que faz uma viagem ao boom do rock português, tão fascinante quanto emocional. A câmara de Moya vai decorando a narrativa com planos do dia a dia, de uma forma que parece que estamos a olhar para esta cidade como se fosse a primeira vez. A forma como olha é única, e não temos dúvida de que é a verdadeira. Isso é o que desarma aqui, a forma como o realizador se posiciona no filme, dá o corpo pela estória (e história) que quer contar, porque ela precisa de ser contada. Tecnicamente, e pela forma como foi filmado, esperava-se muito menos, mas Moya inventa planos e efeitos e cortes meticulosos, que mais do que ilustrar dão tom à narrativa. “Por Detrás da Moeda” é um documentário autêntico (parece redundância mas não é, visto que muitos não o são), que à partida diria mais a quem é do (ou quem vive no) Porto, mas que acaba por ser um documento social e cultural transversal à condição portuguesa. Haja uma distribuidora que aposte nele, porque Portugal precisa de ver este filme.
Classificação: