“Frankenstein” – A Paixão de Guillermo Del Toro.

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Crítica a Frankenstein

Introdução

Nas minhas Sugestões para o Halloween 2025 e referindo-me a “Nosferatu“, referi que não estava definida uma razão válida para esse remake, tendo em conta as adaptações anteriores como a de Francis Ford Coppola, que considerei como definitiva do romance clássico de Bram Stoker. Ora, dois anos depois, Coppola resolveu fazer o mesmo, uma adaptação o mais fiel possível (embora no livro Victor não tenta ressuscitar Elizabeth), ao romance de 1818, “Frankenstein” de Mary Shelley, mas apenas como produtor, sendo Kenneth Branagh realizador e protagonista.

Ora, uma das razões pela quais considerei a adaptação de Coppola como definitiva foi, além da fidelidade ao romance original, o arrojo visual, a criatividade de elaborar cenas de forma de forma criativa e, naquela época, surpreendente. Já a adaptação de Branagh é apenas quase fiel ao romance, adaptando-o de forma competente mas sem a chama criativa de Coppola. E é essa a razão pela qual o “Frankenstein” de Guillermo Del Toro, um dos mais criativos realizadores actuais, era um dos filmes mais esperado do ano.

Crítica a Frankenstein, de Guillermo Del Toro

A Paixão de Del Toro pelos monstros.

Del Toro viu o clássico “Frankenstein” de James Whale de 1931 aos 13 anos, e logo ali decidiu que iria fazer um remake. Foram precisos quase 50 anos e 12 filmes depois (e mais alguns episódios de tv e curtas de inicio de carreira) para a coisa se concretizar. Aquilo que sabemos é que o realizador sempre teve uma paixão pelos monstros, em praticamente todos os seus filmes existe pelo menos um, e muitas vezes são as vítimas, são o coração e a alma da estória, injustiçados e incompreendidos pelos humanos. Alguns exemplos são “Hellboy“, “The Shape Of Water” ou “Pan’s Labyrinth“.

E é por isso que a sua interpretação do clássico de Mary Shelley se distingue de todas as outras, não na essência, que sempre foi semelhante em praticamente todas as versóes, mas na forma e na narrativa bipartida. O monstro, que aqui é referido como criatura, é a menos grotesca de todas as criações de Victor Frankenstein que já vimos no cinema. E apesar de já ter lido que isso era um dos pontos fracos do filme, a caracterização da criatura, a sua subtileza dá-lhe mais humanidade e é essencial para aquilo que Del Toro nos quer dizer, que o monstro é a vítima inocente e o criador é o verdadeiro monstro.

Crítica a Frankenstein, de Guillermo Del Toro

A fidelidade à obra de Mary Shelley.

Ao contrário de Branagh e Coppola, Del Toro fez algumas alterações relevantes ao romance original. A primeira é que Elizabeth deixa de ser a noiva de Victor Frankenstein e passa a ser do seu irmão William, que no romance tem apenas 5 anos. Isto é importante na dicotomia Criador/Criatura, uma vez que levanta (ainda mais) questões morais na definição do monstro.

A outra grande diferença é que agora a estória é contada a duas vozes, em dois capítulos, o que faz todo o sentido. No ínicio do filme Victor é encontrado pela tripulação de um navio preso no gelo e, levado para o camarote do comandante, conta a estória que o levou até ali. No romance e na versão anterior, a criatura consegue entrar no fim, quando já sabemos toda a estória. Aqui, entra a meio e passa a ser ele o narrador, da parte da estória que lhe diz respeito, o que torna o relato mais verosímil, uma vez que o tempo que passou desde que se separaram só seria conhecida pelo próprio.

Crítica a Frankenstein, de Guillermo Del Toro

A referência a “Ozymandias”

Durante este segundo capítulo, a criatura conta que se esconde numa quinta e faz amizade com um velho cego, que o ensina a falar e a ler. Começa pela Bíblia e Adão e Eva, mas a dada altura recita este trecho de um poema clássico, “Ozymandias“, bem conhecido pelos fãs de “Breaking Bad” por dar título a um dos melhores episódios de televisão de sempre.

My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye mighty, and despair!

Ora, o poema não está aqui por acaso, mas por ter sido publicado no mesmo ano de “Frankenstein”, 1818, escrito por Percy Bysshe Shelley, nem mais nem menos que o marido (então noivo) de Mary Shelley. Não sei se a referência existia no original, mas Del Toro inclui-a aqui para evidenciar os temas abordados nos dois: a arrogância, a transitoriedade do poder, a permanência da arte e a relação entre o artista e a sua obra.

Há também uma referência a Prometheus, como que a completar o título original da obra quando publicada em 1818 (e sem o nome da autora), “Frankenstein; or, The Modern Prometheus“.

Crítica a Frankenstein, de Guillermo Del Toro

A mestria de Del Toro

Toda a gente sabe o rigor visual que Guillermo Del Toro põe nas suas obras. 90% do que vemos no ecrã está lá, foi construído e filmado, recorrendo a efeitos práticos e o mínimo de CGI possível (aqui apenas nos animais e em alguns backgrounds), sendo que todos os sets foram construídos em estúdio. O cuidado aplica-se também ao guarda-roupa (de Kate Hawley), à decoração dos sets e adereços (de Shane Vieau), à banda sonora de Alexander Desplat. Todos os elementos são criados para imprimir autenticidade e emoção nas imagens captadas por Dan Laustsen.

Todos são colaboradores habituais de Del Toro, o que lhe simplifica e acelera os processos de criação dos elementos que tornam as narrativas do realizador tão eficientes. Há um imaginário seu muito característico que aqui atinge um dos seus expoentes maiores, devido à paixão do realizador pelo projecto e pelos elementos góticos que o compõem. No final deste artigo há um link para o filme na Netflix, onde também podem encontrar um excelente e esclarecedor making of do filme, com 45 minutos de duração.

Crítica a Frankenstein, de Guillermo Del Toro

O grande e certeiro elenco

No papel de Victor Frankenstein temos Oscar Isaak, como nunca o vimos. Isaak vai do afável ao monstruoso, das boas intenções ao Inferno, sem nunca parecerem transições forçadas, mas antes várias facetas (boas e más) do mesmo personagem. A criatura é brilhantemente interpretada por Jacob Elordi, que eu só conhecia de “Saltburn“, e não imaginava que pudesse ser tão expressivo nos gestos e no olhar, transmitindo as mais variadas emoções debaixo de 10 horas diárias de maquiagem.

Mia Goth é Elizabeth, personagem importante (mais na versão de Branagh), mas aqui a dar a sensação de ser subutilizada. Depois é um desfilar de actores de composição que criam personagens de forma credível e humana. Christoph Waltz é o patrocinador de Victor, com uma segunda intenção. Charles Dance é o austero pai de Victor, David Bradley é o velho cego que tem a relação mais humana com a criatura, Felix Kammerer é o irmão mais novo e noivo de Elizabeth e Lars Mikkelsen (irmão de Mads Mikkelsen) é o capitão do navio encalhado no Ártico. Todos eles dão credibilidade e autenticidade às diferentes facetas de Victor e da sua criação.

Crítica a Frankenstein, de Guillermo Del Toro

Conclusão e classificação

O “Frankenstein” de Guillermo Del Toro é um dos melhores filmes do ano e mais uma prova de que 2025 foi um dos melhores anos de sempre para o cinema de terror. Embora, para mim, é um drama gótico, visceral e apaixonado, pela relação semelhante à de pai e filho, a de criador e obra. Tem todas as nuances desse tipo de relações: autoritarismo, egoísmo, amor, desilusão, inveja, ódio, vingança.

É visualmente portentoso e sincero. E é cinema clássico, daquele que os estúdios já não fazem, a não ser com realizadores que fizeram por merecer ao longo da sua obra. Guillermo Del Toro é um deles e ainda bem para nós. Voltando ao ínicio, esta será, a partir de agora, a versão definitiva do clássico de Mary Shelley.

Classificação: ★★★★

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