Fantasporto 2010: “O Livro de Eli” ou O Evangelho Segundo Washington.

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Quando aqui apresentei os trailers de “The Book Of Eli“, declarei ter baixas expectativas em relação ao filme. Sendo honesto, se o filme não tivesse sido exibido no Fantasporto, eu ainda não o teria visto. Mas ainda bem que passou e ainda bem que o fiz. Não que seja um filme fora de série, que o não é, mas porque contém bons momentos e merece uma visualização.

30 anos depois do holocausto, um sobrevivente caminha com uma missão: proteger o livro que poderá ser a salvação do que resta da humanidade, e levá-lo a um destino onde possa ser reproduzido e divulgado. No entanto, um poderoso homem de uma pequena cidade, procura o livro que sabe ser uma fonte inesgotável de poder para quem o possuir e souber usar com mestria. Obviamente que o confronto vai acontecer, custe o que custar e doa a quem doer.

A primeira metade do filme é excelente! Num universo ao estilo de “Mad Max“, actualizado para as últimas tecnologias, a entrada em cena de Eli é feita sem pressas, com uma grande atenção aos pormenores, envolvendo o espectador aos poucos (como a massa de um bolo envolve as claras batidas em castelo), surpreendendo-o e prendendo-o ao lento desenrolar dos acontecimentos. Há um primeiro confronto em contra luz que, além da excelência com que é executado, completa na perfeição o retrato do nosso herói, mostrando as suas forças e habilidades e despertando-nos para o mistério que ele guarda. Toda esta parte do filme é de uma dimensão paisagista enorme e desoladora, que nos prende o olhar e asfixia com a sua grandeza e perfeição sujas. Há poesia em grande parte dos fotogramas e dos movimentos das personagens, mesmo nas mais sangrentas das lutas.

Depois o nosso herói chega à tal cidade e, involuntariamente mostra o que vale e o que esconde. Aqui, entramos no terreno do Western. E isso só por si não seria mau, se não fossemos expostos a uma sucessão de lugares comuns do género, desde o saloon que acaba destruído e povoado de cadáveres e as prostitutas que atendem nos quartos do piso superior, ao confronto na rua principal ao amanhecer e até mesmo ao refúgio num rancho vizinho, à espera que os maus da fita aparecem para o tiroteio e não poupem os hospedeiros. Tudo nesta parte do filme é um longo dejá vu, e nem uma cena bélica filmada em plano sequência nos salva do bocejo. Aliás, esta cena, que só por si é muita bem feita, parece tão deslocada do resto que causa , mais do que entusiasmo, uma enorme estranheza.

Mas, ainda não cheguei ao pior. Não é surpresa nenhuma que o livro em questão é o último exemplar da bíblia  (até aparece no Trailer) que resta, depois de uma destruição sistemática após o holocausto por aqueles que percebiam o seu poder de persuasão. E eu até achei inteligente o uso que se fez disso. A obsessão da personagem de Gary Oldman está em conseguir o livro que contém as palavras certas, e que lhe permitirão submeter as pessoas à sua vontade. Até aqui tudo bem. Mas a obsessão pelo sagrado deveria ter terminado aqui. O ‘milagroso’ segredo que a personagem de Denzel Washington encerra, tem um peso que afunda o filme. Um filme que se quer de acção e entretenimento não pode querer almejar mais do que isso. Depois de tudo o que viramos antes, que já si era confuso na forma, aparece-nos uma ideologia e uma temática que, além de não agradar a todos, é desnecessária, pretenciosa e preconceituosa.

Realizado pelos irmãos Hughes (Albert e Allen), “The Book Of Eli” contém excelentes momentos, principalmente quase até metade, mas que descamba, quer na mudança de tom e género, quer ao querer impingir uma mensagem e uma fé deslocadas do formato do filme de acção. Washington e Oldman são excelentes, como já nos acostumaram, mas o restante elenco parece subaproveitado, especialmente Mila Kunis, Jennifer Beals e o grande Tom Waits. Os efeitos especiais são tão bons que não se notam, principalmente na construção do ambiente e paisagens apocalípticos, e são complementados por uma excelente direcção artística que reforça o visual sujo e poético do filme. Última nota para a banda sonora, apropriada ao tom do filme, sem cair em exibicionismos heróicos.

“The Book Of Eli” tem uma boa premissa que resulta num filme algo esquizofrénico. Se terminasse ao fim do primeiro terço, dava-lhe um 4. Com a parte dos clichés Western, caí para um 3. Depois há a questão da fé: Se apanhar pela frente um crente fervoroso que engula a pretensão do filme, pode subir até ao 5. Se apanhar um ateu convicto que dispensa tentativas forçadas de evangelização, cai para um 2. Que nota lhe dou? Pois.

Classificação: 2/5

“O Livro De Eli” está em exibição. Se desejar exprimir o seu acordo ou desacordo com esta crítica, pode fazê-lo nos comentários abaixo.

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