“O Lobo Solitário” – Melo(drama) de excelência.

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Voltamos a Filipe Melo. É inevitável. O homem é um dos mais produtivos e inovadores contadores de estórias (e de histórias) que temos. Só em menos de um ano editou “Balada Para Sophie“, compôs “Contramão” para o Festival da Canção, foi co-autor e participou na série da SICPrincípio, Meio e Fim” e realizou este “O Lobo Solitário“, além de colaborar em inúmeros projectos musicais. E sempre com uma dedicação e entrega irrepreensívéis. Ignorá-lo é passar ao lado do que de melhor se faz culturalmente em Portugal actualmente. Esta nova curta-metragem é mais uma prova disso.

No programa da noite “O Lobo Solitário, da Viva FM, Victor Lobo quebra a solidão dos seus ouvintes, atendendo os seus telefonemas, conversando, ouvindo-os e estabelecendo ligações. Mas nesta noite em que o tema são emoções, uma ligação do passado quer pôr a conversa em dia.

São apenas cerca de 20 minutos, em tempo real (num plano-sequência a reforçá-lo), em que somos levados pela mão (a que segura a câmara) pelos recantos obscuros da natureza humana. A primeira coisa que impressiona após a sua visualização, e enquanto rebobinamos mentalmente o filme, é que este é provavelmente o pedaço de ficção mais negro que o Filipe já escreveu. Mesmo já tendo abordado os Nazis e a 2ª Guerra Mundial (em “Dog Mendonça & Pizzaboy“, “Majowski” e “Balada Para Sophie”), a Guerra Colonial (em “Os Vampiros“) e o último desejo de um condenado à morte (em “Sleepwalk“). O estudo da natureza humana (com o que tem de bom, mas principalmente de mau) sempre foi o pilar fundamental da ficção do Filipe. Mas aqui é particular, singular no objecto de estudo e na sua aproximação a ele. Nunca estivemos tão próximo, nas obras do Filipe, dessa dicotomia como aqui.

E, a reforçar essa aproximação, mais do que o conteúdo é importante a forma. Neste caso o magnífico trabalho do plano-sequência, um dos melhores que já vi (e vocês sabem como eu gosto de planos-sequência). A forma como a câmara se move, no seu ritmo mais ou menos célere, mais ou menos próximo, mais ou menos atento aos pormenores, reforça a narrativa e torna-nos parte dela. É aí que percebemos que aqui, neste pequeno grande filme, somos o contraponto, a outra parte da natureza humana. Somos a sua consciência e o seu juiz. Daí eu dizer que este é o seu pedaço de ficção mais negro, porque o contaponto à negatividade não está nele, somos nós. E o Filipe nunca depositou tanta confiança nos leitores/espectadores/ouvintes como aqui.

Claro que para tudo isto funcionar, a entrega é fundamental. E todos os intervenientes fizeram aqui um trabalho excepcional. Adriano Luz é monstruoso, na concentração e na entrega, na dedicação e no tom variável que imprime a Victor Lobo. E o restante elenco, os que vemos e os que só ouvimos também: António Fonseca, Maria João Pinho (aquela a quem nos agarramos moralmente), Márcia Breia, Custódia Gallego e todos os outros que temos de estar atentos para identificar (sim, Nuno Markl e Bruno Nogueira, companheiros de tantas aventuras, também andam por aqui). A coreografia narrativa é exemplar, nos tempos, nos movimentos, nos sons. O Filipe soube, como sempre, encontrar as melhores pessoas (e amigos) para a tarefa a cumprir.

E tecnicamente o filme é prodígioso. A fotografia de Vasco Viana (pelas razões que já apontei) sustenta-o, não só pelo trabalho de câmara, mas também pela iluminação realista e contida. A direcção artística de Juan Cavia é fundamental para a execução técnica dessa mesma fotografia (mais até pelo que não vemos do que pelo que vemos). A música, do próprio Filipe Melo com The Legendary Tigerman, é desprovida de ego e serve exemplarmente a narrativa, a ponto de nos sublinhar as emoções sem percebermos que ela lá está. O exímio trabalho de som de Dillon Bennett e Bruno Garcez, fundamental quando só vemos metade da maioria da acção. Tudo aqui é trabalho de primeira linha, que não envegonha quando comparado com o que se faz ‘lá fora‘. Filipe Melo consegue sempre a proeza de nos tornar menos pequeninos nesse aspecto (e em tudo o que faz).

Concluindo, “O lobo Solitário”, com os seus 22 minutos, sabe a tanto mais. Há tanto pormenor, mais ou menos subtil, tanto movimento, tanta emoção, que mal acabou tive vontade de o rever imediatamente, mais do que uma vez, para absorver tudo o que me escapou à primeira. Até que o consiga fazer, é fundamental que mais o façam, agora (o filme é exibido novamente esta noite do Cinema Ideal em Lisboa, inserido na programação do Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde) ou quando for lançado em grande escala. O filme é intenso, envolvente e emocionalmente forte, além de transbordar de inteligência, bom gosto e competência. É do Filipe Melo, portanto.

Classificação: ★★★★★

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