Fantasporto 2021 – Os Filmes – Parte 1/2.

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O Fantasporto – Festival Internacional de Cinema do Porto está de volta com uma 41ª edição atípica e (quase) ambulante. Devido à pandemia, que impossibilitou a sua realização nas datas originais, teve de encontrar casa emprestada no vizinho Hard Club. São menos sessões, em menos dias, com um intervalo no fim de semana (altura em que o Fantas sempre tinha mais espectadores). Apesar de não ser fã da alternativa encontrada para uma edição presencial do Fantas 2021, tenho de admitir que a fome de cinema é mais que muita, e há no programa algumas propostas muito interessantes. Segue então a programação completa do festival de 2021. Uma vez que os bilhetes estão à venda na ticketline, vou pôr o link para a bilheteira de cada sessão. E podem comprar o livre-trânsito aqui. Aproveitem para ir ao cinema e apoiem o Fantas.

Já sabem que, após cada sessão, podem encontrar aqui a apreciação/crítica e classificação de cada um dos filmes exibidos.

2ª FEIRA, 26 ABRIL

13.00 • PRÉMIO CINEMA PORTUGUÊS – MELHOR FILME – “Toponímia – As Memórias do Porto”

António Pinto – 82’ (Port)- PCP-ANTESTREIA MUNDIAL – documentário – v.o. fal. port | Bilheteira

Pelas ruas do Porto, uma viagem num lento mas panorâmico comboio para o passado. Um legado de costumes e ofícios antigos que começaram a entrar em desuso e um documento sobre a memória colectiva do Porto. A nostalgia do tempo passado em confronto com evolução do tempo.

Apreciação: Um documentário competente e interessante sobre o passado e o presente do porto, seguindo algumas pessoas que tiveram ou têm profissões que estão em desuso. A abordagem é interessante, com recurso a poesia na introdução de cada uma das personagens, mas depois torna-se um pouco monótono na abordagem. Faltou-lhe um rasgo de criatividade que lhe permitisse romper com a fórmula escolhida. Apesar disso, as personalidades escolhidas são variadas e interessantes, até carismáticas, o que lhe aumenta o interesse e o torna um documento que merece visualização.

Classificação: ★★★½

15.00 • “Ten Minutes to Midnight”

Erik Bloomquist – 73’ (EUA) CF – comédia, horror, zombies – v.o. fal. ingl | Bilheteira

Uma radialista com um programa nocturno, Amy Marlow, fica presa na estação com os colegas e o dono da estação, durante uma violenta tempestade, depois de ter sido mordida por um morcego. Com Caroline Williams (“Texas Chainsaw Massacre 2”). 1ª longa-metragem do realizador.

Apreciação: Tenho de confessar que embirro com o Julian Richards. O homem é tão produtivo quanto inconsequente, produzindo número ao invés de qualidade. Este produto (porque é só disso que se trata) da sua Jinga é mais um projecto para fazer número, sem chama, criatividade ou interesse. Mal escrito, interpretado e realizado, resulta numa salgalhada de 73 minutos que parece ter 180. Dou-lhe ½ para não dar um zero logo no primeiro dia do Fantas…

Classificação: ½★★★★

17:00 • “Paper Spiders

Inon Shampanier – 110’ (EUA) SR- drama – v.o. fal. ingl | Bilheteira

Mãe e filha mudam para uma casa nova. Convencida de que o vizinho as espia constantemente, a mãe parece paranoica. Com interpretações notáveis de Lili Taylor, actriz nomeada para 3 Emmys. 2ª longa metragem do realizador.

Apreciação: Filmes sobre paranóia e problemas psicológicos são tão comuns quando dificéis de conseguir retratar com realismo e exactidão. Geralmente tudo depende dos actores, e da sua capacidade de assimilar e repetir comportamentos desviantes, traduzindo-os para uma linguagem compreensivel. Dois bons exemplos disso são “A Beautiful Mind” de Ron Howard e “Spider“, de David Cronenberg. Em “Paper Spider”, é a Lilly Taylor que cabe essa tarefa, e ela consegue exercê-la muito bem. Mas é Stefania LaVie Owen que acaba por levar o filme às costas, por fazer a relação com o espectador. A sua presença é tão forte e tão próxima que, a espaços, tudo o resto é secundário. Claro que a estória sólida e a sua construção narrativa tornam tudo mais fácil de acompanhar e tornam os momentos de identificação mais fortes. Inon Shampanier não tenta inventar nem surpreender, apenas criar um produto sólido, honesto e competente. E consegue-o.

Classificação: ★★★★

19:30 • “Morte em Veneza” (“Morte a Venezia”)

Luchino Visconti– 130’ – (Ita/Fra) -1971- FANTASCLASSICS –  drama – v.o. leg port | Bilheteira

A obsessão do aristocrata que sabe estar a caminho da morte e sente a nostalgia de perder a visão da Beleza, simbolizada pelo adolescente Tadzio. A música de Mahler, o romance de Thomas Mann, a interpretação de Dirk Bogarde e o olhar de Visconti, numa obra-prima imperdível.

Apreciação: Mais uma vez, o Fantas Classics a trazer uma versão restaurada de um grande filme. Desta vez, um dos dois clássicos de Visconti presentes nesta edição. Pena é que as condições ‘de recurso’ deste Fantasporto não permitiram desfrutar em pleno desta versão restaurada. De resto, é o filme que já conhecemos, um hino à beleza e à obsessão pela beleza, com um fabulosa interpretação de Dirk Bogard e uma prodigiosa mise-en-scène de Visconti.

Classificação: ★★★

3ª FEIRA, 27 ABRIL

13.30 • PRÉMIO DE CINEMA PORTUGUÊS – MELHOR FILME- CURTAS -METRAGENS – 86’- v.o.  leg ingl

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Experimental Horror Film # 1: Skull” – Luís Miranda- 1’ 49’’ (Port)

Aldeia do Diabo” – Bruno Acosta, Marcos Kontze, Melissa Gomes, Tom Freitas- 10’ 50’’ (Port)

Guarda-fato” – Gonçalo Silva- 27’ (Port)

Stepless” – Nadège Jankowicz – 3’ 8’’ (Port)

Área 51?52!” – Alexandra Prates, Tânia Prates- 2’24’’ (Port) 

Exício” – Carolina Ferreira-10’ (Port)

Detetive Volkov” – Jorge Sousa e Manuel Pedro Gil- 19’32’’ (Port)

Pequena Desordem Silenciosa” – Pedro Sena Nunes- 9’ (Port) 

15.30 • “LX 2048

Guy Moshe – 104’ (EUA / Lituânia) – sci-fi – v.o. fal ingl. leg. port. | Bilheteira

O futuro com novos desafios à humanidade. O sol é tóxico mas alguns ainda saem ao ar livre. Entre eles está Adam, à procura de conseguir segurança para a sua família, agora que sabe que está a morrer e que a sua relação com a mulher não é a melhor. Adam tem de compreender que pode ser rapidamente substituído por um ser igual a ele. Ou melhor. 

Apreciação: Um filme que, apesar de não trazer nada de novo, nem na abordagem nem no tema, entrega-o de forma competente e apelativa. Bons valores de produção e um bom elenco tornam a premissa minimamente convincente, mas fica a sensação de que falta qualquer coisa, de que se podia ter arriscado (muito) mais.

Classificação: ★★★★★

18.00 • “Exquisite Corpse” / “Cadáver Exquisito

Lucía Vassallo – 88’ (Argentina) SR – drama – v.o. leg ingl | Bilheteira

Bianca é uma cientista albina envolvida numa relação com Clara. No dia em que entra em coma, Clara sabe que ela está grávida. Revisitando o passado e mexendo nas coisas dela, Clara procura razões para a gravidez. A solução aparece quando Clara responde, no telemóvel de Bianca, a uma mensagem de um tal Lucas. 1º longa-metragem da realizadora.

Apreciação: Posso ter tido muita sorte, mas ainda não vi um filme argentino de que não tenha gostado. Ok, este tem alguns problemas, principalmente no terceiro acto, em ritmo e em foco na conclusão da narrativa, mas isso não estraga o que está para trás. E isso é essencialmente uma trama intrigante, com romance e erotismo, bom ritmo narrativo e uma fotografia envolvente. Há inteligência na concepção e na entrega, principalmente na forma como tenta (e consegue) normalizar temas tabú.

Classificação: ★★★½

20.00 • “The Reckoning

Neil Marshall – 110’- (G.B.) – CF – horror, fantástico – v.o.ingl. leg port | Bilheteira

No século XVII, sem explicações para a peste e outros males, a sociedade culpa as mulheres que considera bruxas. Depois da morte trágica do marido, uma mulher e a filha pequena caem nas mãos do senhor da terra. Prémios de Melhor Filme, Realização, Actor e Actriz no Los Angeles Film Awards e no New York International Film Awards. O realizador foi nomeado para um Emmy, em 2014, pelo episódio “The Watchers on the Wall” de “Game of Thrones”.

Apreciação: Neil Marshall já não é um novato no cinema (e televisão) de género, e a maioria dos fãs conhece-o sobretudo por “The Descent” um filme de terror claustrofóbico e frenético, e o apocaliptíco “Doomsday“. Depois voltou-se para a televisão, passando por séries como “Game Of Thrones” e “Hannibal“. Regressou ao cinema para estragar desastrosamente “Hellboy” e tenta agora redimir-se com este “The Reckoning“. E digo tenta porque não tenho a certeza de que tenha conseguido. Não é um filme desastroso como o anterior, mas tem claramente muitos problemas na narrativa, principalmente no que diz respeito à sua previsibilidade. De resto é competente, entretêm, mas nunca chega a surpreender de maneira nenhuma, num tema que, de tão batido, tinha obrigação de trazer algo de novo. Destaque positivo para a direcção artística e para as interpretações, principalmente de Charlotte Kirk e Sean Pertwee, que os frequentadores do Fantas conhecem de “The Seasoning House“.

Classificação: ★★★★★

4ª FEIRA, 28 ABRIL

13.00 • PRÉMIO DE CINEMA PORTUGUÊS – MELHOR FILME – “Um Quadro do Pollock com Sangue

Rui António – 146´ (Port) PCP- ANTESTREIA MUNDIAL – v.o. fal. port | Bilheteira

Uns quantos mortos, um casal, um jovem que gosta de taxidermia e a avó, um mecânico, um detective. O filme tem como ponto de partida 24 escritores que à vez contribuiram para o desenvolvimento do argumento. Cada um desses contributos resulta numa sequência do filme. Coube a 24 músicos comporem a banda sonora dessas sequências depois de filmadas. 

Apreciação: Costuma dizer-se que muitos cozinheiros estragam o caldo, e neste caso não podia ser mais verdade. “Um Quadro do Pollock com Sangue” resulta numa manta de retalhos que não colam uns nos outros. Este filme, não fosse a sua idéia base estapafúrdia, dava 3 boas curtas metragens, pois há idéias e personagens interessantes aqui. O problema é querer juntar tudo e criar um projecto megalómano que se torna confuso, chato e pouco agradável de ver. Não se entende a contagem decrescente, não se percebe se estamos a ver os acontecimentos em tempo real, de trás para a frente ou se vamos saltando no tempo. Quando isto acontece, quando o espectador não faz idéia de onde está na narrativa, há algo que está aqui muito errado. Volto a dizer: há momentos interessantes que mereciam ser isolados e melhor explorados. Esta salgalhada é que não faz sentido nenhum.

Classificação: ★★★★

(ainda não há poster e trailer para este filme)

16:00 • “Wildcat

Jonathan W. Stokes – 93’ (EUA) SR – drama, guerra, horror- v.o. fal. ingl | Bilheteira

Algures em Mosul, uma mulher e um soldado estão acorrentados, presos pelos taliban num quarto esquálido e mantidos vivos pela esperança. O realismo da guerra vivido de perto.

Apreciação: Este foi, até agora, o filme mais prejudicado pelas actuais condições em que decorre esta edição do Fantas. Foi exibido sem legendas nenhumas, numa sala onde a cabine de projecção improvisada não está insonorizada. Ou seja, ouve-se durante toda a projecção o barulho da turbina que impede o aquecimento do projector, num barulho que se sobrepõe ao som do próprio filme. O som do filme também não é o melhor, as personagens passam a maior parte do tempo a sussurrar, o que fez com que não se conseguisse perceber 80% dos diálogos. O ponto positivo, agora que a sala foi dotada de um excelente ecrã, foi a fotografia do filme, o melhor trabalho exibido até agora nesta edição do Fantas. É impressionante como, filmado quase na totalidade num pequeno espaço, se conseguiram tantas imagens diferentes, tantos efeitos de iluminação que geraram tantos planos belíssimos e varíados. Só foi pena não se conseguir perceber o que se estava ali a discutir…

Classificação: ★★★★ (classificação dada à sessão em particular, mais do que ao filme)

18:00 • “Awauta

Mile Nagaoka – 71’ (Jap) – ANTESTREIA MUNDIAL- SR- drama- v.o. leg ingl | Bilheteira

Yumiko é uma gueixa que deixa a cidade e regressa à terra natal. Aí, é de novo confrontada com as tradições ancestrais, a música e a dança. “Awauta” é um poema clássico japonês com 48 sons que usa a voz humana para criar uma ressonância divina, transformando a experiência de cada um em sons alegres e positivos. 1ª longa-metragem do realizador.

Apreciação: A maior surpresa até agora, talvez porque nada do que está no vídeo abaixo esteja no filme. Este “Awauta” é um filme sóbrio, bem construído, com um ritmo pausado e contemplativo, servindo a narrativa. Tem uma estória simples mas eficaz, conseguindo explorar bem as particularidades da cultura japonesa.

Classificação: ★★★

 20.00 • “Marionette

Elbert van Strien – 112’ (Hol/UK/Luxemb)- CF – fantástico, horror – v.o. falado Ingl, leg.port | Bilheteira

Do realizador Elbert van Strien, vencedor do Prémio Melhor Filme Fantástico do Fantasporto 2011 com “Two Staring Eyes”, esta é a história de uma psiquiatra que, após a morte do marido num acidente, decide ir trabalhar para a Escócia. Um dos seus doentes é um enigmático rapazinho que desenha imagens violentas e diz que controla o futuro dela. 

Apreciação: “Marionette” sofre daquele síndrome do filme que quer tanto ser diferente e surpreender o espectador, que opta por soluções narrativas que esticam a verosimilhança até ela quebrar. E é pena que os últimos 20 minutos do filme ponham em causa o excelente trabalho que tinha sido feito até então. Estava a ser um filme denso, intenso, provocador e estimulante e depois pôs-se a inventar e estragou (quase) tudo. Ficam a boa fotografia, as boas interpretações, o ritmo narrativo e o clima de tensão constante, que infelizmente não chegam para tirar o filme da mediocridade.

Classificação: ★★½★★

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