Antes de escrever sobre outros filmes que fizeram parte do Fantasporto 2011, é imperativo voltar a “A Serbian Film“, o filme-choque que está a ser noticia por toda a parte e conquistou ontem o prémio especial do júri no festival portuense. Depois da sua exibição ter sido proibida no XXI Semana de Cine Fantástico y de Terror de San Sebastián, ter sido muito cortado pela censura Inglesa para poder ser exibido comercialmente, e ter levado a policia alemã a interrogar o realizador, exigindo-lhe provas de vida e identidade de todos os intervenientes no filme, chega-nos agora mais uma má noticia do país vizinho. Mas já lá vamos…
Na sessão de encerramento do Fantas, ontem à noite, um dos intervenientes espanhóis referiu o director do Festival de Cine de Sitges, Ángel Sala, mencionando o mau momento por que está a passar e desejando-lhe que este passe depressa. Na altura, eu e muitas outras pessoas presentes na sala, pensámos tratar-se de um problema pessoal ou de saúde, mas a realidade é bem mais assustadora. Acontece que o Ministério Público da Catalunha acusou formalmente Sala, por delito reconhecido no artigo 189.7 do Código Penal, que castiga com penas de três meses a um ano de prisão ou multa a quem “produzir, vender, distribuir, exibir ou facilitar por qualquer meio material pornográfico em que terão sido utilizados directamente menores ou incapacitados”. Tudo porque uma associação de defesa de menores apresentou uma queixa contra o festival, por ter exibido o filme.
A demência disto é tanta, que temos de ir por partes. Primeiro, o filme não é pornográfico, quando muito é soft core ou seja, o sexo retratado não é explicito, não permitindo avaliar se houve realmente penetração na captação de imagens ou se se trata apenas de encenação de actos sexuais. Além disso, na cena em que um recém nascido é violado, trata-se claramente de um substituto (um muito realista, é certo) e não de um bebé real, e na cena em em que um rapaz de 5 anos é sodomizado, só nos apercebemos de quem se trata depois do acto, porque o abusado está completamente tapado da cintura para cima. Ou seja, é importante distinguir as coisas para se perceber bem a acusação. O que é proibido? Imagens em que acontecem tais abusos ou aquelas em que eles são sugeridos? Onde é que acaba a liberdade, de expressão ou outra qualquer?
Segundo, a imprensa espanhola está a dar agora mais importância ao caso depois do prémio conquistado no Fantasporto, onde o filme está neste momento a ser exibido pela terceira vez. Além do destaque no El País, a revista SciFiWorld pergunta se a Espanha enlouqueceu e refere que Portugal, encarado pelos espanhóis como um país conservador e atrasado (relativamente à Espanha) está a provar ser exactamente o contrário. Podem ler a tradução do editorial da revista, que o Nuno Reis do Antestreia fez aqui.
Por último, não se trata aqui de defender o filme, já disse o que tinha a dizer sobre ele aqui. O que é preciso defender é a liberdade de expressão e a liberdade de acesso a um filme, seja ele qual for. “A Serbian Film” pode ser descarregado da net, de forma ilegal e sem preparação do espectador para aquilo que está prestes a ver. Condenar alguém por exibir o filme, num ambiente controlado e com informação sobre o mesmo, incentiva à pirataria e é um acto irresponsável de quem tem por obrigação proteger os cidadãos, nem que seja deles próprios. Querer defender os intervenientes num filme de abusos encenados é um acto de pura estupidez e mostra uma consciência social deturpada e autista. Faz-me pensar se o cinema será mesmo uma arte centenária, quando as pessoas se comportam como os espectadores que assistiram aos primeiros filmes dos irmãos Lumiére, levantando-se e fugindo quando o comboio entrava na estação.
Esperaremos para ver o desenrolar dos acontecimentos em Espanha e o que acontecerá agora em Portugal. Não sei se o filme será exibido comercialmente por cá. Em conversa com outros blogues de cinema depois da primeira sessão no Fantas, a opinião seria de que não seria possível informar convenientemente as pessoas do que as esperaria numa sala de cinema (à semelhança do que aconteceu no festival), quando o que importa aos exibidores é o números de baldes de pipocas vendidos à entrada. Uma edição em dvd, com venda e aluguer apenas permitida a adultos e com informação detalhada a acompanhar, poderia ser uma boa solução. Importa acima de tudo prevenir a histeria. “A Serbian Film” é forte, violento, incomodativo e pode provocar danos em muitas mentes. Não pode é ser encarado como uma ameaça, isso apenas revelaria as inseguranças e fragilidades de uma sociedade que se quer aberta, matura e realista. E livre!
Concordo com o seu ponto de vista, mas, não completamente.
Gostei quando sincronizamos nosso pensamento ao assumirmos que não tem como exibi-lo comercialmente, por trivialmente ser comercial, não havendo preocupações mais severas com as consequências da exibição perante ao público.
Todavia devo te dar razão quando menciona que a sua censura dá margem a pirataria, e o pior, a venda ilegal do filme por informais. Se o cinema não está preocupado em preparar o público para estas cenas, os vendedores informais muito menos.
Tenho medo que isso ocorra aqui no Brasil, pois já ouve casos de censura do filme em festivais, incusive por um patrocinador estatal e uma ação movida por um partido político. Diga-se que aqui, para dar um chamariz maior ao peso no estômago que este filme pode causar, ele é chamado de “A Serbian Film- Terror sem limites”.