“Nightmare Alley” – Neo – Del Toro – Noir.

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Era um dos regressos mais esperados, o de Guillermo Del Toro com “Nightmare Alley“, depois do (finalmente) oscarizado “The Shape Of Water“. Quando ganhou o Óscar, Del Toro vinha de 3 projectos como realizador que ficaram aquém do que poderiam ter sido (do ponto de vista da narrativa): “Pacific Rim“, “The Strain” e “Crimson Peak“. As expectativas para “Nightmare Alley” eram, por isso elevadas, para saber se Del Toro tinha realmente regressado à boa forma, ou se o filme do amor inter-espécies tinha sido apenas um feliz acidente de percurso. Além disso, é o primeiro filme de Del Toro que não tem elementos sobrenaturais ou criaturas fantásticas. Tudo aqui é humano, e tão negro que só o género neo-noir lhe serve.

Stan é um homem que corta com o seu passado e vai ter a uma feira popular, onde começa por fazer pequenos trabalhos. Acaba por se apaixonar por Molly e aprender mentalismo, o que lhe grangeia sucesso. Ao deixarem a feira para procurar novos palcos, vão conhecer personagens que, convencidos de que Stan consegue contactar com o sobrenatural, se tornam vítimas da sua ambição.

“Nightmare Alley” é, antes de mais, um portento visual, algo a que Del Toro já nos habituou. Há uma minucia representativa que funciona como complemento à narrativa, e com um detalhe que, aparentemente despercebido, lhe confere autenticidade. Por exemplo, o isqueiro de secretária que a personagem de Cate Blanchet utiliza no seu escritório faz parte da colecção pessoal de memorabilia do realizador, tendo sido usado por Humphrey Bogart em “The Maltese Falcon“, de 1941 (ano em que decorre parate da acção de “Nightmare Alley”). Todas as sequências na feira popular são de uma sumptuosidade e beleza arrebatadoras. Del Toro volta a afirmar-se como um meticuloso, obsessivo e objectivo contador de estórias que nos transportam para universos estranhos ou exóticos, não abdicando das características humanas (mesmo nas criaturas) das personagens.

A diferença é que aqui a estranheza vem das próprias personagens e transborda para o resto. Proscritos, marginalizados e manipuladores elevados a estrelas de atrações de faz-de-conta. Essa caracterização é, sem dúvida, o ponto mais forte de “Nightmare Alley”. Mas quando o universo de faz-de-conta é subtraído, a narrativa perde força e assume um ritmo mais lento (talvez por o suporte visual não ser tão vistoso e ostensivo), precisamente quando o neo-noir se torna mais evidente. Passamos da estranheza das aberrações para a sumptuosidade da loira fatal, dos esquemas fraudulentos, dos ricaços sem escrúpulos. Mas o grande problema de “Nightmare Alley” (que nem é tão grande quanto isso) não é a viagem, é o destino. A sensação que fica é que o filme está à espera do final, toda a narrativa foi construída para que o desfecho tivesse um peso que, se calhar, fica aquém do prometido.

Como sempre na cinematografia de Del toro, tudo aqui é um prodígio técnico e artístico: as interpretações, a direcção artística, o guarda-roupa, a banda sonora, etc. A realização é sólida e não perde de vista o objectivo. A espaços o ritmo fica lento demais (nas partes de construção e exposição narrativa) e isso afecta o entusiasmo do espectador, que continua a dar a Del Toro o benefício da dúvida. Compensa? Depende. Se estiverem à espera de algo nunca visto e surpreendente, provavelmente não. Se forem fãs de film noir, com tudo o que isso implica, provavelmente sim. Num caso ou noutro, saúda-se o risco que Del Toro assumiu, o de experimentar um género diferente, de sair da sua zona de conforto. E fê-lo não abdicando do seu estilo, o que não é pouco.

E depois há uma excelente galeria de personagens servida por alguns dos melhores actores da actualidade. Ao trio central formado por Bradley Cooper, Rooney Mara e Cate Blanchett, juntam-se Toni Collette, Willem Dafoe, Ron Perlman, David Strathairn, Mark Povinelli e Clifton Collins Jr. como os ‘artistas’ da feira popular, Richard Jenkins, Mary Steenburgen, Peter MacNeill e Holt McCallany como as vítimas de Stan na segunda parte, e ainda Jim Beaver e Tim Blake Nelson em duas cenas relevantes. Com um elenco deste calibre, somos presenteados com cenas de intensa representação com dúbias intenções, como o género requer. Isso acaba por compensar o interesse na narrativa, mesmo nas partes de mais exposição, e não deixa o filme cair na banalidade.

Tudo isto resulta em quatro nomeações para os óscares, em que a aposta segura é a direcção artística de Tamara Deverell e Shane Vieau. A fotografia de Dan Laustsen é também um sério candidato à estatueta, mas por estes lados gostaría de ver ‘o nosso’ Luis Sequeira a ganhar finalmente o óscar de melhor guarda-roupa. Fora da corrida estão Del Toro e Bradley Cooper por melhor filme, não que este seja mau, mas o neo-noir é um género não muito contemplado pela Academia (com excepção para “Chinatown” de Roman Polanski, que deu o óscar de melhor argumento a Robert Towne).

Concluindo, “Nightmare Alley” é um filme sólido, que peca por ser um pouco longo demais e cujo maior mérito é dar grande visibilidade a um género que precisa de revitalização. Nota-se que foi um projecto acarinhado por Del Toro e reconhece-lhe o fôlego necessário para pôr um projecto desta envergadura de pé.

Classificação: ★★★★

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