Volta e meia, o cinema brasileiro olha para dentro, para a sua história, e cria um destes filmes que tem tudo para resultar, não só no país mas internacionalmente, mas que por alguma razão falha nas suas pretensões. “Marighella” é o mais novo exemplo disso, um filme realizado por um actor que brilha internacionalmente, produzido por uma produtora responsável por alguns sucessos internacionais e um elenco de luxo, liderado por uma vedeta da música e cinema brasileiro e não só. O resultado, apesar de meritório, fica um pouco aquém das espectativas.
Brasil, 1969. Carlos Marighella não tem tempo para ter medo. De um lado, uma violenta ditadura militar. Do outro, uma esquerda intimidada. Ajudado por revolucionários 30 anos mais novos e dispostos a lutar, o líder revolucionário, inimigo número 1 do Brasil, decide-se pela acção. Num confronto radical, ele luta por aqueles cujo apoio não é certo, enquanto tenta manter a promessa de reencontrar o filho, de quem se afastou para o proteger.
O filme de Wagner Moura até começa bem, com um enquadramento político e social do homem num estado avançado da narrativa, voltando depois atrás e contando a história cronológicamente. O primeiro problema do filme é que o ritmo narrativo é irregular. Diversas vezes notei o arrastamento de algumas cenas em detrimento de outras, que teria sido interessante explorar um pouco mais. Nota-se que o guião, escrito pelo próprio Moura com Felipe Braga, era muito mais extenso, e certas opções tiveram de ser tomadas. O problema é que as escolhas nem sempre foram as acertadas e, mesmo assim, o filme continua com 2 horas e meia.
Se fizermos uma comparação (desleal à partida, eu sei) com o filme charneira da produtora O2, “Cidade de Deus“, esses problemas de ritmo são ainda mais gritantes, quer a nível da narrativa como da falta de variação rítmica visual em que ela é contada. A oportunidade de ter Fernando Meireles como produtor (mesmo que associado) foi mal aproveitada.
E é pena, porque tudo o resto é muito bem conseguido. Como a fotografia de Adrian Teijido (“Narcos” ) com o seu estilo câmera no ombro documental e atmosférico, que apesar de se tornar monótona a espaços, nos posiciona no meio da acção e proporciona sequências tão belas quanto impressionantes. Ou a direcção artística de Cláudia Andrade e Frederico Pinto (“Elis“) , que fazem uma espantosa reconstituição de época, fundamental para a verosimilhança de um projecto desta natureza.
Claro que o elenco é fundamental para a identificação com as personagens, e não há aqui ninguém que tenha uma prestação abaixo do que lhe era pedido. Seu Jorge é sempre intenso e puro naquilo que faz. Adriana Esteves mostra que já não é a menina bonita da Globo e se tornou uma sólida e corajosa actriz. Bruno Cagliasso, apesar de um ocasional overacting, dá ao vilão da história a profundidade necessária para que o odiemos. Herson Capri, Humberto Carrão, Bella Camero e Luis Carlos Vasconcellos fornecem o suporte necessário e fundamental aos protagonistas, criando personagens tridimensionais que conferem profundidade e ainda mais verosimilhança à narrativa.
Nota-se que o filme é realizado por um (grande) actor, tal é a forma como a câmara os segue, enquadra e segura, exigindo-lhes entrega e honestidade. Pode parecer pouco, mas isso é talvez o ponto diferenciador mais forte do filme. Mas também é o mais fraco, uma vez que negligencia outros aspectos importantes como o ritmo narrativo ou a falta de fluidez formal e plástica da fotografia, que peca apenas pela falta de variação.
Concluindo, “Marighella” é um filme sólido e fundamental para entender a história brasileira recente, mas que comete o pecado de se tornar chato a espaços e até um pouco monótono e repetitivo, algo que a história nunca deve ser. Mesmo assim tem elementos fortes e interessantes que fazem dele um filme a ver, de uma filmografia que nos devia ser mais próxima do que é, fazendo com que cada estreia de um filme brasileiro deva ser celebrada e apoiada.
Classificação: ★★★½★