“Distrito 9“, estreado esta semana nas salas Portuguesas, é provavelmente o melhor filme de acção do ano, e uma bofetada de luva branca aos grandes estúdios Americanos e aos seus blockbusters de 200 milhões de dólares que fracassaram nas bilheteiras, como “Transformers 2“ou “G.I. Joe“. O filme de Neill Blomkamp, produzido por Peter Jackson, é uma inteligente reformulação do filme de ficção cientifica e de acção, temperada com uma forte componente politica, social e histórica, que o aproxima do imaginário do espectador informado e lhe dá o bónus do puro entretenimento.
O filme começa 18 anos depois de uma nave extra-terrestre ter parado sobre Joanesburgo, na África do Sul, quando uma equipe de televisão filma um documentário sobre todo o processo de co-existência (?) entre humanos e camarões (alcunha atribuída aos seres devido ao seu aspecto). Impossibilitados de regressar ao seu Planeta, os extra-terrestres são colocados num campo de refugiados criado para o efeito, o Districto 9, de onde não podem sair e onde são fortemente vigiados por forças governamentais. Com o crescimento populacional e a marginalização, o campo depressa se transforma em favela ameaçando o sossego da população humana vizinha. A empresa de armamento MNU – Multi-National United é contratada para fazer a mudança da população alienígena para um novo campo, a 200 quilómetros de Joanesburgo. Wikus van der Merwe, genro do presidente da empresa é encarregue de liderar o processo, no decurso do qual é exposto a um estranho químico alienígena e, para se salvar, terá de procurar ajuda em dois novos amigos camarões. Mas a empresa quer capturar Wicus, estudá-lo e apropriar-se das suas novas capacidades. Tudo o que os Extra-terrestres querem é voltar para casa.
Social e Politicamente, o filme mostra um novo Apartheid, uma recaída dos humanos dominantes nos mesmos vícios, com novas vitimas, mas resultados igualmente negativos. Aqui, a favela e a marginalização dos seus ocupantes, além de metáfora (ou paralelismo com a tal realidade pertencente ao imaginário dos espectadores), é o motor propulsor da narrativa. A Humanização dos extra-terrestres, nos seus hábitos e motivações, dá o contraponto narrativo ao nosso anti-herói, patético e egoísta, que apenas procura a salvação naqueles que maltratou. Nas entrelinhas, o filme é uma tese politica e social, assente na história do século XX mas transferindo-a para a actualidade e para a especulação cientifica.
Na prática é um filme de acção despretensioso e um espantoso e refrescante entretenimento. Peter Jackson já demonstrou que, com muito menos orçamento, se conseguem fazer filmes tão grandes como os de Hollywood, e colocou à disposição de Blomkamp a sua empresa de produção. Na realização, Blomkamp acerta em praticamente tudo. O visual do filme (documental, pois é suposto estarmos a ver o tal trabalho jornalístico), aproxima-o das imagens que conhecemos (através precisamente da televisão) dos acontecimentos reais que se relacionam com os da narrativa. E, talvez a falha maior também esteja aí. O inicio do filme é uma narrativa jornalística tão convincente que, quando se afasta para os acontecimentos não documentados, senti-me traído por uma ficção (dentro da ficção) que, apesar de espectacularmente bem conseguida, não tem o nível de envolvimento e informação que o primeiro acto tinha atingido. E foi quando percebi que o que estamos a ver é mesmo ficção e que devemos apenas apreciar e entretermo-nos, e que toda a informação que nos foi dada para processar e pensar é apenas acessória e não o objectivo do filme, que me senti um pouco traído. Provavelmente o parvo fui eu que me deixei enganar, mas isso é mais um ponto a favor de Blomkamp e Jackson. E o resto do filme, a acção propriamente dita, é de tal forma intensa e bem feita que compensa essa traição.
Sharlto Copley, actor Sul-Africano que aqui interpreta o protagonista Wicus no seu primeiro papel principal, é espantoso e dá uma grande lição de representação, conseguindo fazer com que a transformação da personagem, de idiota a herói, seja extremamente convincente. Será certamente um actor de que ouviremos falar muito mais. Os efeitos especiais são, como não podia deixar de ser (uma vez que vêm dos mesmos estúdios que fizeram com Jackson “O Senhor Dos Anéis“) tão bons e complexos que não parecem existir. Sejam as criaturas, a nave e os helicópteros que pairam sobre Joanesburgo, os conflitos armados ou as explosivas sequências envolvendo um armamento tecnologicamente superior, tudo é feito com um rigor e pormenor tão realista que, aliado ao efeito documental, não arriscamos pôr em causa.
Concluindo, “District 9” é daqueles casos em que a bilheteira espelha a qualidade, e em que o respeito pelo público e o rigor colocado no projecto compensam e são compensados. O facto de ser um filme independente torna-o ainda mais merecedor de reconhecimento e os nomes envolvidos (à excepção de Jackson que aqui só deu o merecido empurrãozinho) alvos de atenção futura. É um excelente entretenimento, inteligente e provocador que estará certamente em muitas listas de melhores de 2009.
Classificação: 4/5