“Choke” – Palahniuk, o filme e outras considerações.

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Primeiro as outras considerações… Na edição deste mês da Premiere portuguesa, única revista de cinema impressa em Portugal, encontramos na página 10 uma crítica a “Choke – Asfixia“, escrita por Inês Gens Mendes. A dada altura lemos que o filme “é precisamente uma adaptação da segunda e única obra que o escritor Chuck Palahniuk lançou depois de ter assinado o arraial de socos que é Clube de Combate.” Ora, isto não só não é verdade, como diminui aquele que é, para mim, um dos maiores escritores da actualidade. Uma simples pesquisa no Google pelo nome do autor, mostra em primeiro lugar a Wikipédia, e em segundo o site oficial do escritor com o nome The Cult. E um simples click em qualquer deles, mostra uma lista razoável de romances já publicados (12), e várias tentativas de adaptação de alguns deles para o cinema. É claro que a Premiere é uma revista de cinema, que os seus colaboradores não tem de saber tudo acerca do material base que dá origem aos filmes, mas nesse caso abstêm-se de comentários que, além de falsos, desinformam, contrariando o principio básico do jornalismo, cinematográfico ou não. Claro que sou fã de Palahniuk e que, por isso mesmo, fiquei um pouco mais chateado do que possivelmente a maioria dos outros leitores, mas também por ser leitor assíduo  e fiel da Premiere desde o nº 1 da 1ª série, fiquei magoado pela maneira simplista como se atiram assim informações sem o minimo de sustentabilidade.

Falemos então sobre o autor. Escritor de culto (o nome do site oficial poderia ser pretensioso, não fosse a veracidade da designação) desde o primeiro romance, “Clube de Combate”, atirado para a ribalta pela adaptação cinematográfica de David Fincher, cada romance que edita parece sustentar ainda mais esse estatuto. Entre o primeiro romance e asfixia, tinha já publicado “Survivor – Sobrevivente” e “Invisible Monsters – Monstros Invisivéis“, mas curiosamente, em Portugal, Asfixia foi o 2º a ser publicado. Lembro-me de que quando o li, fiquei desiludido pela repetição do uso dos grupos de ajuda para apoiar a estória, e pensei que a criatividade podia ser limitada no autor. Nada mais errado. Depois de ler os titulos já citados, e ainda “Lullaby“, reconheço a Palahniuk a inteligência, audácia, originalidade e polémica que o transformaram no tal autor de culto. Sobreviente conta a estória de um fanático religioso que, sozinho num avião comercial em piloto automático, debita para a caixa negra a sua história, antes que a gasolina acabe e o avião se despenhe. Em Invisible Monsters (titulo que mais anseio por ver adaptado ao cinema), uma top model fica desfigurada num acidente de viação, luta contra a invisibilidade a que é submetida pelas pessoas “normais”, e percorre o país na companhia de uma transsexual que se torna na sua melhor amiga, do seu ex-namorado (que as duas raptam), atrás da sua ex-melhor amiga que o roubou dela após o acidente, para obter vingança. Em Lullaby (dará um excelente road-movie) um jornalista, uma vendedora imobiliária, a sua assistente e o namorado desta, percorrem o país de biblioteca em biblioteca, atrás de um livro que contém uma canção de embalar que, sempre que recitada, mata a pessoa a quem é dirigida. O objectivo é eliminar todos os livros para que ninguém a use como arma, só que eles próprios vão deixando um rasto de corpos pelo caminho. A maior virtude de Palahniuk é usar estes acontecimentos de forma superficial, realçando a profundidade dos personagens. Tudo complementado com críticas e observações cínicas sobre a sociedade e suas instituições, sobre a religião, sobre vícios, paranóias e contadições do individuo e a procura do seu lugar no universo. Há ainda um outro livro editado em Portugal que ainda não li, “Diary – Diário“. No site oficial podemos encontrar informações sobre todos os livros, filmes (realizados e em preparação) e todas as demais informações que digam respeito ao autor. Na secção dos romances podemos admirar, livro a livro,  a galeria de capas de todas as edições do mundo inteiro, e orgulharmo-nos das edições Portuguesas, com as capas mais originais e de uma beleza singular, embora não possamos tirar partido dos seus alto-relevos das edições em papel. Um particular obrigado à casadasletras pelo cuidado que põe nas edições portuguesas do autor.

Como última nota, não há culto que não tenha uma lenda, e a de Palahniuk é das que me suscitam mais curiosidade. Em 2004 foi editado “Haunted“, romance composto por 23 estórias supostamente contadas por 23 pessoas reunidas numa sala. Na promoção do livro por todo o país, o próprio Palahniuk lia um dos contos intitulado Guts. Supostamente, durante a sua leitura, várias pessoas na audiência passavam mal, sentindo tonturas, naúseas, vómitos e até desmaiando. Tantos foram os relatos do género que a edição da Playboy de Março de 2004 (onde o conto havia sido pré-publicado) esgotou em poucos dias. Não há prova destes acontecimentos além dos relatos das pessoas que os presenciaram, mas no site oficial, na página do livro, encontramos vários videos que comprovam o quão desconfortável (e até nojento) pode ser a leitura de tal conto. Pessoal da casadasletras, que tal ser este o próximo a ser publicado?

Agora o filme. Victor Mancini é um viciado em sexo, frequenta um grupo de apoio, mas apenas lá vai para fazer ainda mais sexo com a viciada que patrocina (Nico). Trabalha num parque temático colonial, onde tenta seduzir a loira que ordenha as vacas (Beth, a única com quem ainda não fez sexo), que é a apaixonada do seu superior que, sempre que pode, cria problemas a Victor e ao seu melhor amigo (Denny), também viciado em sexo e frequentador do grupo de apoio. A mãe de Victor está internada num hospício e não o reconhece sempre que ele a visita, passando por ser um mau filho que nunca vê a mãe. Apaixona-se pela nova médica dela, que se revela ser a única pessoa com quem não consegue ter uma erecção. Entretanto tenta descobrir o segredo da mâe: a identidade do seu pai. Falta a asfixia do titulo; Para continuar a suportar os custos do hospital onde está a sua mãe, Victor percorre restaurantes em busca de gente rica, asfixia-se com comida levando-os a salvarem-lhe a vida e a ficarem-lhe eternamente agradecidos por isso, a ponto de lhe mandarem dinheiro sempre que Victor lhes pede. No livro, esta parte da estória é bem mais explanada do que no filme, mas aqui também não faz muita falta.

Realizado por Clark Gregg, actor e argumentista que aqui se estreia na realização, interpretando também o superior de Victor no parque temático. Dos seus anteriores trabalhos como actor, sobretudo em papéis secundários, destacamos o marido de Julis Louis-Dreyfus na série “The New Adventures Of Old Christine”, e como argumentista o filme de Robert Zemeckis “What Lies Beneath”. Em Choke, o seu trabalho de adaptação do livro é bastante coerente com o seu espírito, mantendo intactos todos os elementos chave da obra, e não desvirtualizando o seu conteúdo. Na realização é bastante competente, embora não dispondo dos meios de produção da adaptação de Fincher, consegue captar a loucura de Palahniuk de uma forma mais real e próxima do espectador. Peca por desiquilibrar o filme nos útimos 5 minutos , acabando por introduzir um twist que corta o tom positivo do final.

O elenco é encabeçado por Sam Rockwell, brilhante como Victor. Conseguindo equilibrar a loucura do personagem com o seu lado mais intimo, tornando-o um personagem conflituoso consigo próprio e em busca das respostas que o tornam a pessoa que todos esperam que seja. Anjelica Huston como a mãe de Victor dá-nos a sua melhor interpretação em muitos anos, variando entre a idosa que sofre de Alzeimer e a mãe solteira e possessiva que controla o filho enquanto criança. O restante elenco dá uma boa réplica às duas personagens mais fortes. Brad William Henke como o fiel (e onanista) Denny, Kelly Macdonald como a Dra. Paige Marshall, Gillian Jacobs como Beth e Paz de la Huerta como Nico.

Visualmente, pelas razões já descritas, Choke não é tão atrevido como Fight Club, mas a natureza da estória contada também não exige mais do que é apresentado. O filme resulta numa estória profunda, bem contada e entretém bastante, sendo fiel ao livro, mas não rejeitando o seu direito a ser lido autónomamente.

Classificação: 3.5/5

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