A moda da tridimensionalidade.
Há muitos anos que não ia ao cinema ver um filme em 3d, e confesso que nunca fui grande fã. Aqueles óculos ridículos com uma lente de cada cor eram para mim um incómodo e um obstáculo na apreciação do filme. O último filme (e a experiência mais interessante) que vi em 3d foi no Imax de Barcelona, há cerca de 14 anos atrás, e era um documentário sobre a vida selvagem que nos punha mesmo no meio do habitat natural dos animais e entre eles. Claro que a tecnologia Imax é muito diferente do cinema tradicional, mais avançada e com uma dimensão que não pode ser atingida noutros formatos, e mesmo os óculos nunca foram nem ridículos nem de duas cores. Essa tecnologia que experimentei em 95 está agora vulgarizada e presente nos cinemas “normais”. E esses avanços tornaram a 3ª dimensão mais natural e mais apelativa aos espectadores, mantendo as cores naturais da imagem e dando profundidade à imagem e à acção. Isso fez com que, de há um ano e tal para cá, só se fale em filmes lançados em 3d, e mesmo em relançamentos de filmes antigos no formato (caso dos dois primeiros filmes da trilogia “Toy Story”, da Pixar. A loucura vai ao ponto de, hoje, o festival de Veneza ter anunciado que na edição deste ano (Setembro próximo) vai existir uma nova categora, para o melhor filme em 3d, e abre já com 9 candidatos.
Na última semana vi dois filmes em 3d, “A Idade do Gelo 3: Despertar dos Dinossauros” e “Up – Altamente”, talvez não os melhores exemplos por serem filmes de animação, mas deu para ter uma ideia dos prós e contras da tridimensionalidade no cinema. E os óculos continuam a ser um problema, apesar de melhores e mais “normais, tenho sempre a tendência para os tirar por breves segundos para ver o que realmente está no grande ecrã. Continuam a ser, portanto, um factor de distracção. E existe também o problema dos filmes não serem criados exclusivamente para o formato, o que faz com que acabem por não existir muitas cenas em que a profundidade seja realmente explorada e a experiência seja enriquecedora para o espectador. No fim, e feitas as contas, há alguma profundidade (que não é significativa), mas o adereço desconfortável retira alguma concentração naquilo que é e sempre será fundamental no cinema: A estória, a acção e a emoção.
Últimas notas para o facto dos cinemas cobrarem um valor estúpido pelo aluguer dos óculos, e para dois filmes que poderão mesmo valer a pena serem vistos em 3d: “Avatar” de James Cameron e “Alice In Wonderland”, de Tim Burton, feitos de raiz e propositadamente para serem vistos no formato. Do segundo já se viram algumas imagens que poderão ser fantásticas a 3 dimensões e do primeiro sabe-se que será um filme que revolucionará o cinema e que esteve 10 anos à espera que a tecnologia fosse desenvolvida para poder ser feito.
“A Idade do Gelo 3: Despertar dos Dinossauros”
Este 3º volume da série dos Blue Sky Studios traz-nos mais do mesmo. E isso chega e é mais do que satisfatório. “Ice Age 3” é um dos melhores divertimentos do ano, hilariante, emocionante e deliciosamente honesto. Voltam as personagens que todos já conhecemos, com novas aventuras pela frente, mas é Scrath que continua a roubar o filme, principalmente com a adição de uma personagem feminina que vai repartir com a bolota a sua atenção. Manny está prestes ser pai e Diego sofre a pressão da idade, mas é Sid que vai impulsionar a narrativa quando descobre acidentalmente três ovos de dinossauro e resolve adoptá-los, combatendo assim a falta de atenção a que está sujeito. Quando a mãe volta para reclamar as crias, a estranha manada vai ter de sobreviver e manter-se junta, apelando para os laços afectivos e suas forças interiores.
Tecnicamente irrepreensível, é a estória que torna este um filme para toda a família e um divertimento acima da média, despretensioso e irresistível. Algumas cenas são favorecidas pelo 3d, principalmente as mais movimentadas, como a perseguição de Diego a um antílope e Sid a descer a montanha numa prancha e equilibrando os três enormes ovos. Mas esse é um factor menor, uma vez que, sem a tridimensionalidade, o filme seria igualmente excelente e apelativo e a acção seria igualmente impressionante. Isso quer dizer que a malta dos Blue Sky Studios sabe manter a atenção naquilo que é importante, não se perdendo em subterfúgios técnicos que, apesar de perfeitos, não se sobrepõem à narrativa e à emoção. Está nos cinemas.
Classificação: 4/5
“Up – Altamente”
Com a Pixar a coisa fia mais fino. Os tipos são dos mais geniais cineastas da actualidade e têm-nos habituado muito mal. De filme para filme a inovação técnica, mas sobretudo narrativa (andam sempre a par) cresce e surpreende, mantendo os seus filmes entre os melhores do ano, de há 10 anos para cá. E “Up – Altamente”, embora não falhe nesse objectivo, é o primeiro filme em que o estúdio comete alguns erros. Mas comecemos pelo princípio. “Up” é a estória de Carl Fredricksen, miúdo de espírito aventureiro que conhece uma rapariga apaixonada pela aventura como ele e com ela vive uma vida completa, mas pacata e normal, nunca perdendo de vista o sonho. Quando Ellie morre, Carl, com 78 anos, vê-se condenado a um asilo e a perder todas as memórias de uma vida. Ata milhares de balões à sua casa e parte no sonho ainda não realizado de rumar à América Latina, em busca da aventura, conservando consigo os objectos e o espírito da sua mulher. Só não conta com um pendura surpresa, Russel, um miúdo escuteiro e desajeitado que se torna uma preocupação que Carl não precisa e um autêntico íman de azares e peripécias que os levarão a aventuras que Carl nunca sonhou concretizar. Com uma estória fascinante como esta, estão lançados os dados para mais um sucesso a todos os níveis para o estúdio, mas a partir de determinada altura, parece ter havido um descontrole na narrativa, uma desconcentração ímpar nos filmes daquele estúdio, que permitiram algumas inverosimilhanças que funcionam como destabilizador do centro conceptual da estória e dispersam a atenção do espectador mais atento e empenhado.
“Up” tem, nos seus primeiros 20 minutos, do melhor cinema que se tem visto nos últimos anos. Mais de 60 anos passam pelo ecrã em tão pouco tempo, sem perder de vista o essencial e elevando a emotividade a um nível pouco visto no cinema de animação. “Wall-e”, do ano passado, também tinha feito a proeza de manter o filme sem uma única linha de diálogo, durante cerca de meia hora, mas mantendo todas as características narrativas intactas e emocionalmente avassaladoras. Só que, enquanto “Wall-e” nunca perdia de vista o objecto completo e equilibrava elementos e emoção pelo resto do filme, “Up” perde-se em adições menores e opta por acelerar a narrativa, cometendo erros primários de equilíbrio, entre o que é essencial e o absolutamente supérfluo e descontextuado. Apesar de ser um filme de animação, em que à partida tudo é permitido, tem de existir um compromisso entre a premissa e sua verosimilhança. A partir do momento em que aparecem os cães, o filme que até aí era dramático e emotivo, torna-se anedótico a espaços e desequilibrado no seu todo. Talvez a razão seja o 3d. “Up” só passou a ser um filme em 3d a poucos meses da estreia e talvez a atenção dedicado à conversão ao formato tenha provocado desconcentração na análise do filme como um todo e tenha sobrado pouco tempo para a edição e aperfeiçoamento do filme. Ou talvez a Pixar tenha apenas cometido um erro, há uma primeira vez para tudo. No entanto, apesar do filme resultar menor do que poderia ser, continua a ser um excelente filme de animação, e certamente será um dos melhores do ano quando for feita a contagem das armas em Dezembro. Não fossem os 20 minutos inicias e seria um filme mediano, merecedor de um 3. Mas a Pixar continua a ter destes rasgos, felizmente. Estreia na próxima 5ª feira, dia 13.
Classificação: 4/5
E um Extra: “Partly Cloudy”
E como é costume na Pixar, a anteceder a sua última longa-metragem está uma curta absolutamente admirável. “Partly Cloudy” é um pequeno grande filme, sobre as cegonhas e sua função de levar os bebés, do momento da criação até aos seus pais. É um filme belíssimo, delicioso, muito bem executado e com uma mensagem de solidariedade, amizade e carinho. Tem menos de seis minutos, mas muito mais que muitos filmes de 2 horas. E ele aqui fica para vocês…
Classificação: 5/5
Excelente artigo Pedro!!
Muito completo e extremamente lúcido, um dos melhores que li sobre a nova vaga de filmes 3D.
Tornei-me um fã deste tipo de filmes por causa do Ice Age e espero ansioso pelos próximos.
Um abraço.
Muito obrigado Luca, pela visita, pelo comentário e pelo elogio. É sempre um prazer…
Volta sempre.
Um abraço.